Professor Dirlêi Bonfim sobre a Pandemia da COVID-19: Porque não tributar fortunas para salvar vidas…?

Foto: BLOG DO ANDERSON

Dirlêi Andrade Bonfim

A finalidade essencial do Estado é a garantia do bem estar dos seus cidadãos. Seja por meio de serviços públicos gratuitos de excelente qualidade e pelo investimento direcionado à área social e à infraestrutura das cidades, estados enfim do país. Para que seja possível realizar essas ações, o Estado necessita de recursos financeiros que são adquiridos através da arrecadação de impostos/tributos. Em geral a gestão dos recursos deverão cumprir um leque de prioridades e serem aplicados na saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, segurança, saneamento básico, habitação popular, calçamento, urbanização entre outras tantas necessidades e carências das populações. Aliás, como está bem definido na Constituição Federal. Leia na íntegra mais uma colaboração do professor Dirlêi Bonfim.

 

O meio de sobrevivência do Estado se dá por meio da arrecadação tributária, realizada através das pessoas físicas e jurídicas. Assim podemos afirmar que os governos não tem recursos e que o caixa dos governos são oriundos da sociedade como um todo. Vale ressaltar que temos a obrigação de fiscalizar e acompanhar a aplicação dos recursos arrecadados pelas instituições governamentais, o que nem sempre acontece. Com a evolução das concepções de Estado e a criação de novas cartas constitucionais, os tributos passaram a ser definidos tendo em vista o bem-estar social. Cada vez mais, foram sendo criadas leis para definir a aplicação social dos recursos arrecadados com os tributos. Pois bem, a história relata que foi na idade média que se deu início à cobrança de impostos. Os camponeses e agricultores entregavam parte da colheita aos reis e príncipes, e em troca os governantes lhes davam segurança e estradas para o transporte da produção. Mais tarde, com o advento da democracia e a distribuição de serviços públicos nas cidades de Atenas e Roma, os impostos se tornaram organizados e formais, o que podemos dizer que foi o início da administração tributária. Historicamente no Brasil ela iniciou-se com o extrativismo do pau-brasil, sendo o primeiro produto a ser tributado, quando o produtor deveria deixar para o Rei de Portugal 20% do valor do produto vendido. É de conhecimento amplo, que a Economia é uma Ciência Social, não diferentemente da Sociologia, da Ciência Política ou da Antropologia, a Economia é também uma ciência social, uma vez que seu objeto de estudo também é fruto da vida social. Mais especificamente, seu foco está em compreender como ocorrem as relações entre os indivíduos e as organizações na sociedade do ponto de vista da produção, da troca e do consumo de mercadorias, de serviços e de bens em geral. Assim, a Economia vai tratar do estudo da alocação dos recursos disponíveis pelos homens coparticipantes de uma vida em sociedade. Já o Estado, responsável pela organização e regularização da sociedade – logo também da economia, em certos aspectos – poderia agir ao mesmo tempo como empresário e consumidor. Dessa interação entre tais agentes tem-se o mercado, sendo este o local ou o contexto em que compradores (que compõem o lado da procura) e vendedores (que compõem o lado da oferta) de bens, serviços ou recursos estabelecem contatos e realizam transações. Assim, é preciso considerar que o sistema econômico oferece limites para que tais agentes se realizem, isto é, alcancem seus objetivos. Mas o conceito utilizado pelos economistas refere-se ao “valor estatístico da vida”, que é muito diferente do valor humano da vida. No valor estatístico entram os recursos mobilizados pela família e pela sociedade para manter a vida e adiar a morte. No conjunto, esses recursos indicam o preço da vida. Entretanto, a vida humana vale também pelo que as pessoas são no campo dos valores, atitudes, condutas, atenção, apreço, geração de satisfação, capacidade de amar e serem amadas dentro da família. Por mais que se detalhem as dimensões, não há como quantificá-las e muito menos como calcular o valor agregado da vida humana. Provavelmente você concorda com a afirmação de que uma vida não tem preço. Em essência, todos concordamos, o valor individualmente é incomensurável, mas o governo, as empresas e nós mesmos precisamos refletir sobre esses números na hora de decidir apoiar ou não determinadas políticas públicas ou a programas sociais e admitir que eles existem porque nós não fomos capazes de criar condições reais para a instituição de uma sociedade mais justa, mais igualitária, menos discriminatória, menos hipócrita, mais sensata, menos arrogante, mais humana. “Os idosos terão que morrer para salvar a economia.” Essa é a chocante orientação de Dan Patrick, governador do Texas. “Voltem todos ao trabalho”, disse ele, emendando: “os idosos cuidarão de si mesmos e não vão sacrificar o país para salvar suas vidas.” Esse governador tomou posição arrojada a respeito do mais sério dilema que os médicos enfrentam quando, na falta de recursos, salvam apenas um de dois doentes. Por trás de decisão tão delicada, está o preço da vida. Nos campos da justiça, religião e filosofia, a vida não tem preço, pois é um bem superior, a ser preservado em quaisquer condições. Assim podemos analisar que um sistema econômico justo, seria aquele capaz de salvar o maior número de (vidas), pessoas possível.

Segundo Piketty (2014), (…) “a taxação progressiva e um imposto sobre a riqueza global como único modo para conter a tendência na direção de criar-se uma forma “patrimonial” de capitalismo, marcado por – como diz ele – desigualdades “aterrorizantes” de riqueza e renda. Também documenta, em detalhes dolorosíssimos e difíceis de retrucar, o modo como a desigualdade social vem criando um mundo miserável, com a concentração brutal da renda nas mãos de muito poucos ao longo dos últimos séculos. Um sistema tributário para ser socialmente justo deve concentrar sua arrecadação sobre a renda e o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas. Esses dois elementos (renda e patrimônio) diferenciam de forma clara os cidadãos e as empresas de acordo com a sua capacidade contributiva. Os impostos sobre o consumo e os serviços, pelo contrário, transformam todos como iguais diante do sistema tributário. Por exemplo, a tributação sobre os achocolatados (em torno de 40%) é injusta porque o pobre e o rico pagam o mesmo imposto ao adquiri-los. No Brasil, do total da arrecadação pública, 4,7% vem da propriedade, 23,9% vem dos ganhos de renda, 47,4% das compras de bens e serviços, 1,7% das transações financeiras e 28,3% dos recolhimentos de contribuições sobre a folha salarial. O Brasil, quando comparado com os países da OCDE, é o vice-campeão na cobrança de impostos sobre a compra de bens e serviços. Aqui, arrecadamos 15,8% do PIB em impostos dessa natureza. Nos Estados Unidos, arrecada-se 4,4% do PIB e na Suíça, 6,1%. No Brasil, do total arrecadado, a parte referente a impostos advindos da renda e da propriedade (somados) é de 24,6%. Ao mesmo tempo, na Dinamarca, Estados Unidos, Canadá, Suíça, Noruega, Irlanda e Noruega, tal parcela é superior a 50% do total arrecadado. E no Chile, nosso vizinho, é superior a 40%. No Brasil, aqueles que recebem lucros e dividendos (que são rendas) são totalmente isentos de impostos. Os beneficiários desses rendimentos isentos podem ser pessoas físicas e pessoas jurídicas, domiciliados aqui ou no estrangeiro. São os chamados rentistas, que investem na especulação dos mercados. Isso significa que a remessa de lucros ou dividendos ao exterior feita por multinacionais também está isenta. Somente a Estônia, entre os países da OCDE, possui tal legislação, que tributa na fonte os lucros auferidos sobre as transações financeiras. Assim, os milionários possuem também muitos “bens e direitos”. Isso significa que possuem prédios, automóveis de luxo, apartamentos, casas, fazendas, sítios, terrenos, obras de arte, aplicações financeiras, helicópteros, jatinhos, lanchas, iates etc. Eles possuem 2,8 trilhão de reais em “bens e direitos” – um patrimônio médio de 36 milhões de reais por pessoa. Eles não pagam também qualquer centavo de imposto pelas fortunas que possuem. O Brasil estabeleceu a possibilidade de cobrança de tal imposto na Constituição de 1988. Mas o imposto sobre Grandes Fortunas jamais foi regulamentado. Aquele trabalhador que comprou um carro popular, com muito esforço, tem que arcar todos os anos com o IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores). Mas o milionário que possui um helicóptero não paga IPVA. Proprietários de embarcações luxuosas, jet skis, lanchas, jatinhos e helicópteros, também não pagam IPVA. Foram isentados pelo STF, que entende que IPVA deve ser pago apenas por proprietários de veículos automotores que possuem rodas e percorrem ruas e rodovias, o que não só demonstra o cenário de desigualdade, mas ratifica, uma espécie de proteção legal aos ricos e milionário, na proteção, para a não cobrança dos impostos/tributos sobre a suas fortunas. Para o Professor Bauman (2015), critica o mito de que “o mercado iria corrigir as disparidades de renda entre pobres e ricos”. Depois de décadas isso não aconteceu e a concentração de renda só aumentou. E não é um fenômeno dos países do terceiro mundo, como o Brasil, está acontecendo em todo mundo capitalista. Diante da Pandemia mundial da Covid-19, ficou muito claro e até escancarado, a fragilidade do sistema de saúde pública no mundo e no Brasil para enfrentar a crise na saúde. No nosso caso brasileiro, a crise desencadeou outras tantas crises, além da saúde, econômica, social e política. No seu texto o Professor Bauman desmonta as falácias por trás do mito de que a riqueza de poucos beneficia a minoria pobre. Na verdade, os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Hoje, os 20% mais ricos da população mundial consomem 90% dos bens produzidos no planeta. Já os 20% mais pobres consomem só 1%. Os números são do Programa de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. E mostram que a disparidade só aumentou. Em 2018, por exemplo, os mais ricos consumiam 86% de todos os bens produzidos no planeta, enquanto os pobres consumiam 1,3%. Em tese, este enriquecimento sem freios daqueles que já são muito ricos é sustentado pela ideologia do individualismo, que norteia o mundo do consumo. Ele apresenta como estratégia de vida o modelo das celebridades popularizadas pela mídia. O ideal, o padrão, é viver como os astros de cinema e da música pop. Esbanjando dinheiro em roupas, iates, carros e aviões de luxo, de preferência sem pagar impostos sobre esse patrimônio. E a pergunta que se coloca é… Afinal, Porque não tributar fortunas para salvar vidas…?

**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA**Sociologia**Cursos/FAINOR de ADM/CONTÁBEIS/ENGENHARIAS/FAINOR/2020.1*

 

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