Ezequiel Sena
Uma simples homenagem ao grande amigo Dargilan Amorin
Hoje, o nosso amigo José Dargilan Amorim, o Dargilan da Farmácia, o doutor dos pobres está feliz, completa 40 anos de caminhada diaria na Olivia Flores. Quando o corpo se acostuma a despertar no silêncio da madrugada, é praticamente impossível forçar um novo sono. Se forçar, dá dor de cabeça. O que era tédio na adolescência cede espaço ao prazer. Acordar e apreciar o raiar das primeiras luzes do dia no horizonte é algo maravilhoso, inimaginável. O melhor mesmo a fazer é saltar da cama, dar um basta na preguiça, preencher o tempo e deixar os olhos abrir os caminhos de um novo dia. São 4h55min em Vitória da Conquista (BA). Na Avenida Olívia Flores os parceiros estão a me esperar. Leia a íntegra.
A pista vai se encher das vozes dos apressados madrugadores em nome da saúde. Muito bom esse contato diário, além de fortalecer ainda mais os laços de amizade, melhora o astral, e não caminhar com essa gente falta algo, a caminhada fica sem graça, parece que o tempo se alonga, prefiro me juntar a eles.
A turma dos chamados homens de bem não dá moleza, anda pra valer. Percorre a pista todo santo dia até o fim da curva de entrada da Uesb – Universidade Estadual do Sudoeste, um percurso de quase seis quilômetros. Logo, logo vai clarear e principia o formigueiro humano: senhores e senhoras andantes, ciclistas e velocistas de todo tipo, e lá vamos nós. De repente, aparece um grupo de belas moças, como se flutuassem pela estrada. Todas bem vestidas com malhas coloridas coladas ao corpo, a lhes cobrirem as linhas harmoniosas de cada reentrância. Parece até que as roupas foram costuradas com elas dentro, de tão desenhadas. É inevitável a nossa contemplação, com todo respeito, é claro. Não estamos cegos! Feito bobos, um olha para o outro meio sem graça, enquanto elas passam em direção ao destino bendito. Viu aí? Escuto um perguntar, como se fosse possível algum de nós não ver tanta exuberância!
Colírio em circulação suaviza as batidas do coração e ajuda o sangue a percorrer delicadamente seu giro nas veias! A natureza é perfeita. As bonitas carregam consigo a majestade de suas geografias naturais. Que me perdoem as feias, como bem escreveu o poetinha Vinícius de Morais. O dia começa a brilhar. O sol, ainda manso, não é mais como um bocejo avermelhado detrás da serra. O verde do pasto se anima a crescer, mas, em nome do progresso, vai dando lugar às novas edificações. Mais à frente, avista-se os prédios do SESI/SENAI/IEL, da Justiça Federal, do Novo Fórum Estadual e do Ministério Público.
Outros caminhadores, também fugindo do sedentarismo, nos cumprimentam pelo caminho. É hora de a turma colocar o papo em dia. Uns tentam seduzir os demais parceiros a escutarem os seus comentários. Todos têm, na ponta da língua, uma visão crítica sobre o jogo do clube do coração, das extravagâncias do fim de semana, das experiências vividas em seus trabalhos ou se ufanam com as conquistas do passado. A caminhada prossegue. Lá íamos nós quando, por alguma razão que até Deus duvidaria, um resolve chamar o outro pelo apelido. Pra quê? A gota d’água! O grupo inteiro cai na gargalhada. Caçoam numa chacota sem igual. Apelido é assim, vira praga, assemelha-se a erva daninha, espalha-se como água morro abaixo ou fogo morro acima. Se enfezar – coitado! –, ninguém consegue segurar, vai estar condenado ao fogo do inferno. Que o Nosso Senhor tenha dó! O homem envermelhou que nem brasa, virou uma fera, fez ameaças, queria brigar a todo custo. Felizmente, a turma do “deixa disso” foi se chegando, e a paz voltou a reinar; resolveu-se dar um basta. Naquele instante, ninguém era doido de rir ou falar alguma coisa com o ofendido. Mas que nos deu vontade de atiçar para ver o circo pegar fogo, isso deu!
A língua coca, mas cadê a coragem. Ainda bem! Caminhada em grupo é assim. Como uma fenda aberta, por ela o que se vê vazio pode se encher de tudo!
(crônica originalmente publicada em 2013)
Ezequiel Sacramento Sena Gomes.
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