Alba Magalhães: A parábola da minha vida

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Alba Magalhães

Para entender o Evangelho (EV) de Jesus, é necessário observar sua narrativa dentro da simbologia cultural de sua época. Os estudiosos cultos fazem bem esse trabalho ao se aproximarem do EV no seu tempo. Mas para retirar dos ensinamentos a aplicabilidade de seu sentido atemporal não basta nos aproximarmos do EV, é imprescindível um segundo movimento, aproximá-lo de nós, traduzi-lo para a modernidade, com a linguagem do nosso tempo. As parábolas, principalmente, necessitam receber esse tratamento. Leia a íntegra.

                              Em várias parábolas Jesus trata do Reino de Deus, estabelecendo em umas as suas bases e em outras o seu valor.  É sempre sobre como agem as pessoas dentro de uma situação, é a própria situação ou objeto, nunca um lugar circunscrito a eleitos, mas qualquer ambiente, objetivo ou subjetivo, que tenha sido prioritariamente ocupado pela regência das Leis Divinas – o coração do homem, a Terra, o espaço espiritual, uma eternidade, um instante. No Reino há sempre uma lição de que o bem deve ser o caminho e a meta.

                            É pela condição de ser Ele, Jesus, uma personificação do Reino, que Se proclama o caminho, a verdade e a Vida (como expressão a designar vida feliz)

Lucas 17:21 Nem dirão: Ei-lo aqui! Ou: Lá está! Porque o reino de Deus está dentro de vós.

                            O Reino de Deus, se realiza dentro, mas se expressa fora. Todos os que entram na posse do Reino, tornam-se seus genuínos semeadores. É contra a natureza do Reino encerrar-se em si mesmo.

                               Vamos discorrer sobre a parábola da Vinha, que trata com grande propriedade das bases em que se assenta o reino de Deus e como se opera a justiça divina e sua misericórdia.

Mateus 20 (https://www.bibliaonline.com.br/)

1 Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha.

2 E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha.

3 E, saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça,

4 E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram.

5 Saindo outra vez, perto da hora sexta e nona, fez o mesmo.

6 E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos, e perguntou- lhes: Por que estais ociosos todo o dia?

7 Disseram-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós também para a vinha, e recebereis o que for justo.

8 E, aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo: Chama os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros, até aos primeiros.

9 E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um.

10 Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais; mas do mesmo modo receberam um dinheiro cada um.

11 E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família,

12 Dizendo: Estes derradeiros trabalharam só uma hora, e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia.

13 Mas ele, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro?

14 Toma o que é teu, e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti.

15 Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?

16 Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

                              Porque o Senhor pagou primeiro os últimos, senão para que os primeiros expressassem o que lhes ia na alma, para que se desnudassem?! Ao ver que não receberiam mais que os outros trabalhadores, os primeiros ao responderem ao teste, mostraram-se egoístas, orgulhosos, invejosos e sem compaixão; eles não se importavam se aqueles outros estiveram à margem das oportunidades, nem lhes interessava suas necessidades – eram também impiedosos;

                              A “meritocracia”, traduzindo para uma linguagem moderna, foi o argumento em que se baseou a exigência dos “primeiros”, e eles recebem uma grave admoestação do Senhor. É como se dissesse “não vedes que também são pais de família, não vedes que estiveram à margem das oportunidades que a vós outros foram concedidas?! Não possuem eles as mesmas necessidades?! Então olhai com maus olhos a minha justiça misericordiosa?! “ . “São maus os teus olhos porque eu sou bom?. Em Mateus 6, Jesus já havia chamado a atenção para a gravidade da forma como olhamos o mundo.

                    Mateus 6:22,23 (https://www.bibliaonline.com.br/)

22:A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
23:Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!

                              A luz ou a treva que há em nós são espelhados por nossos olhos. Os olhos que olham o bem com ressentimento, são maus. Se os olhos são bons todo o corpo se movimenta para o bem. Quando se estabelecem programas para que as pessoas que ficam às margens das oportunidades recebam possibilidades de inclusão, através de políticas públicas, para que se estabeleça um mínimo de dignidade e um mínimo de oportunidades a grupos que sempre viveram à sua margem, vê-se milhões de maus olhos a protestarem uma meritocracia que não existe em sociedade tão cruelmente desigual como a nossa.

                              Observe que o Senhor da Vinda, quem efetivamente representa nessa parábola o Reino dos Céus (Mateus 20:1), pagou, não apenas pelo tipo ou quantidade de trabalho, mas também pelo critério da NECESSIDADE, e por ter claro que os primeiros não gozavam de meritocracia, apenas tiveram mais oportunidades, evidenciando em sua censura aos primeiros, o valor da solidariedade, da generosidade e da compaixão, em que se assentam a justiça divina e são as bases do Reino dos Céus. Foi esse sentimento de que eram superiores, orgulho, essa pretensão de possuírem mais em detrimento dos outros, egoísmo, e essa indiferença pela necessidade dos demais – impiedade, que levaram os primeiros a voltarem para o fim da fila – “os primeiros serão os últimos”.

                              A Codificação espirita não é alheia ao tema. Na questão 806 de o Livro dos Espíritos eles (os espíritos) nos dizem que a desigualdade das condições sociais não é uma lei natural, “é obra do homem e não de Deus” e acrescentam mais adiante “essa desigualdade desaparecerá juntamente com a predominância do orgulho e do egoísmo, restando tão somente a desigualdade do mérito.”

                              Isto posto, podemos sentenciar: onde não há igualdade de oportunidades, não há que se reclamar meritocracia, essa meritocracia tão cara ao sistema econômico neoliberal. Precisamos pensar sobre isso.

                             Jesus veio mudar a lógica dessa cultura de exclusão oferecendo consolação aos oprimidos e libertação aos opressores. E o fez não apenas com palavras, mas com atitudes. Madalena foi a cota para inclusão da mulher, as várias narrativas realçando a importância dos samaritanos quebram o orgulho dos judeus, apenas para citar algum exemplo.

                             Em toda escolha que afeta a coletividade, sofremos as consequências dos projetos que elegemos, na medida da nossa responsabilidade, do quanto de ignorância, indiferença, leviandade, egoísmo, hipocrisia ou crueldade, motivaram nossa escolha infeliz.

                             Aproximemos o EV de Jesus de onde estamos: se nossos olhos forem bons eles nos guiarão inevitavelmente para o bem.

                      “A mensagem do Reino, mais do que uma promessa para o futuro, é uma realidade para o presente” fala atribuída a Jesus no livro Primícias do Reino por Amélia Rodrigues.


3 Respostas para “Alba Magalhães: A parábola da minha vida”

  1. Josias Ferraz

    Parabéns a Alba Magalhães, belíssima reflexão.

  2. Eunice Guimarães

    Text0 muito coerente, uma excelente análise da parábola de Jesus, parabéns

  3. Katia

    Bela interpretação ! O que falta é oportunidade para acabar com às iniquidades . Enquanto isso os templos religiosos encontram-se abarrotadas de devotos aparentes em negociações materiais , com a “ilusão” de ingressar no reino de Deus “esquecendo “da responsabilidade e o dever para consigo mesmo ,para com o próximo e para com Deus .

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