Carlos Costa: Elegia a José Ângelo Figueiredo e Iure Soares

Não somos seres humanos vivendo uma

experiência espiritual; somos seres espirituais

vivendo uma experiência humana.

Padre Teilhard de Chardin

                                           

Foto: BLOG DO ANDERSON

Carlos Antônio Costa

Se estivesse vivo, neste Dois de Julho, completaria cento e um anos um grande amigo que partiu para a eternidade no dia 21 de dezembro de 2012. Ele tinha nome angelical, mas era um verdadeiro santo! Refiro-me ao saudoso José Ângelo Figueiredo, muito conhecido em Conquista como Zeca Sapateiro, ofício que ele exerceu por mais de sessenta anos,  além de ter sido um mestre e formado dezenas de profissionais que ainda atuam espalhados por diversas regiões do Brasil. Seu Figueiredo, como muitos costumavam chamá-lo, era um iluminado, daqueles que nascem um a cada cem anos. Era uma pessoa boníssima, servidora e com uma vida exemplar e irretocável. Viveu toda sua vida para a família e para a sua fé, tendo sido um dos principais propagadores da Igreja Batista na região sudoeste da Bahia. Era uma pessoa muito inteligente, culta e amante da leitura.  Aprendi com ele, ainda na minha infância, o gosto pela leitura e o amor pelos livros. Sempre tinha na sua residência  exemplares da Revista Seleções, os quais eu sempre lia com muita avidez. Leia a íntegra.

 

Até poucos meses antes da sua morte, não tinha um dia que ele não sentava para ler a sua Bíblia, livros e revistas sobre saúde.  O meu amigo era uma pessoa além do seu tempo; apesar de ser membro de uma igreja protestante, ele sabia muito bem separa a sua fé dos costumes  e tradições que aprisionam o homem. Ele era libertário e sonhava com um mundo onde todos tivessem as mesmas oportunidades e que a pobreza não fosse o maior obstáculo no caminho da humanidade. Eu o conheci desde que me entendo por gente, e ele tinha muito carinho por mim ao ponto de me tratar como um filho. Sempre que eu sumia por um bom tempo, muitas vezes por causa dos afazeres do dia a dia, ele mandava  me ligar pra saber como eu estava. Passei muitas tardes ao seu lado, e, entre uma e outra martelada, falávamos sobre política, conversávamos sobre Deus e a sua Palavra e muitas vezes ouvi muitos “causos” ocorridos na sua juventude vivida em Jequié e Itajuípe.  Com ele aprendi a máxima de que “quem gosta de casca de jaca  é jegue!”  Conheci a história do propagandista que ficou rico vendendo um remédio que servia para todos os males, o “pó dela”; além de ter dado muitas risadas sobre a história  do dentista que arrancava os dentes dos seus pacientes  amarrando os dentes com um arame e com a outra ponta presa na fechadura da porta.

Figueiredo era um homem nobre, forjado no tradicional Colégio e Internato Taylor Egídio, onde conviveu com muitas personagens que foram grandes políticos e profissionais liberais da Bahia.  Por ler muito, tinha um conhecimento global e não tinha nenhum assunto que não dominava  com maestria. Ele chegou em Conquista com a sua amada Tereza Maria Figueiredo no início da década de sessenta. Tiveram sete filhos, quatro mulheres e três homens, além de um  que era filho da empregada do seu pai que eles criaram como  filho natural. O meu amigo José Ângelo Figueiredo viveu os ensinamentos de Cristo na sua plenitude: perdoando a quem precisava de perdão; visitava os enfermos e os presidiários e ajudava a todos que estivesse precisando de comida, roupa ou de dinheiro. Se fosse católico, a Igreja teria que o canonizar talvez ainda em vida.  Ele deixou um legado de honradez, de submissão à vontade de Deus e de como conduzir uma família tendo Cristo como centro e alvo. O melhor testemunho que ouvi sobre ele veio da sua filha caçula, Suzana. Ela tinha comprado um notebook pela internet e a empresa demorou muito para entregar a encomenda. Depois de muita reclamação, o notebook chegou. Cerca de um mês depois, por engano, a empresa enviou outro notebook, que Suzana recusou receber, pois já tinha recebido o produto que ela tanto reclamou. Ao saber do fato, logo após o entregador da mercadoria ter saído, a perguntei   por que não tinha ficado com o segundo notebook. Ela sem titubear me respondeu: a educação que painho me deu não me permite  ficar com algo que não é meu! Para ele, os laços familiares era algo sagrado e cultivava com muita honra. Certa vez, Dona Maria, que trabalhou por décadas com os seus pais, veio de Jequié e depois de passar um  tempo na sua casa, resolveu trabalhar na residência de uma professora. Quando ele ficou sabendo, entristeceu muitíssimo e me disse que tinha passado a noite sem dormir muito chateado porque o seu pai, antes de morrer, o havia pedido para cuidar de Dona Maria no final da sua vida. Ele me chamou à sua residência, contou-me o quanto gostava de Dona Maria, que a tinha como uma irmã, e que não queria vê-la tendo que trabalhar quando já deveria estar descansando de todas as labutas. Ele então me pediu que fosse até a casa da professora e trouxesse Dona Maria de qualquer jeito. Descobri onde era a residência que ela estava, e, para fazer a sua vontade, praticamente a sequestrei e a levei para sua casa. Ao ver Dona Maria, Figueiredo a abraçou com muito carinho e a disse: olha Maria, meu pai me pediu para cuidar de você, e a partir de hoje você nunca mais sairá do meu lado. Contigo repartirei o meu pão  e a farinha. Nunca mais você trabalhará para mais ninguém! Ela chorava, Figueiredo chorava ao ponto de soluçar, e eu,  chorei ao testemunhar aquela cena que jamais esquecerei e que aconteceu na sua sapataria.

Esse era o meu amigo José Ângelo Figueiredo, um ser humano inigualável; duro e severo quando precisava, mas amável  e com um coração de manteiga do tamanho do mundo.  Depois que ele faleceu procurei uns vereadores para que indicassem o seu nome para nomear algum logradouro da nossa cidade, porém, nenhum deles  apresentou a indicação para que pudéssemos eternizar a memória desse grande Homem que viveu entre nós. Infelizmente, ele partiu sem que o nosso município lhe concedesse a honraria de ser Cidadão Conquistense. Ainda nesta Legislatura, procurarei  um vereador que queira ter a honra de indicá-lo para nomear alguma das nossas ruas. Este ato também poderia partir do Excelentíssimo Prefeito, cujo pai foi um dos principais amigos de Figueiredo aqui em Conquista.

Neste dia em que completaria cento e um anos,  devo dizer que jamais esqueci  um só dia desse  homem que foi exemplo de pai, de marido, de avô, de amigo, e principalmente, exemplo de Cristão autêntico e transformador do mundo! Parabéns Figueiredo pelos seus  101 anos, pois, continuas vivo nos corações dos seus familiares e também no meu!

                         JOSÉ ÂNGELO FIGUEIREDO, PRESENTE, SEMPRE PRESENTE!

 

No dia 02 de julho de 2016, um sábado nublado e muito melancólico foi prenúncio de uma triste notícia. Naquele dia, meu amigo Iuri Soares Gomes, com apenas dezessete anos, ainda no início de sua caminhada terrena, veio à óbito no Hospital Prado Valadares, em Jequié, após sofrer um trágico acidente. Iuri trafegava numa moto com um amigo na carona quando uma caçamba que trafegava na mesma rodovia soltou um par de pneus traseiros, e pegou Iuri de surpresa, atingindo-o na perna, cortando a sua veia femoral, fazendo-o perder muito sangue, o que causou a sua morte. Iuri era também um ser iluminado, criado com muito carinho e dedicação pela sua mãe Juciara.  Não tinha um dia que Iuri não estivesse alegre e com muitos planos. O sonho dele era tirar carteira de motorista assim que completasse os dezoito anos. Ele era encantado com o trabalho que sua mãe realizava à frente da direção da Creche Tia Zaza.  Ele a incentivava muitíssimo e sempre estava presente nas atividades da Creche. Todas as vezes que o encontrava eram momentos de muita felicidade para mim.  Tratava-me como amigo e como se eu tivesse a mesma faixa etária que ele. Na sua casa eu era recebido como rei; oferecia-me lanches, perguntava se eu queria que ele preparasse um macarrão instantâneo para comermos juntos, até que ele descobriu que eu não era ligado a lanches e nem macarrão e sim a uma boa e deliciosa fruta. Então me oferecia bananas, mangas, jacas, tangerinas e outras espécies que ele trazia da fazenda do seu pai.

Poucos dias antes dele morrer, o encontrei alegre e muito feliz pelo nascimento do seu sobrinho Enzo, que nasceu exatamente um mês antes da sua morte precoce. Segundo ele, Enzo não podia vê-lo que ficava alegre e muito risonho, apesar de não ter ainda um mês de vida.

Sua mãe fez de tudo para que ele não fosse passar o São João com o seu pai, além de que, no dia dois de julho  teria uma festa para comemorar o primeiro mês de vida de Enzo.  Infelizmente, a morte nos levou uma pessoa admirável, com um caráter ímpar e que com certeza, seria um homem que muito colaboraria para que tivéssemos um mundo melhor! Iuri se foi, mas deixou muita saudade e bons exemplos. Ficou também a esperança de que um dia, na Ressurreição dos Justos, nos encontraremos às margens do outro lado da vida!

          IURI SOARES GOMES, PRESENTE, SEMPRE PRESENTE EM NOSSOS CORAÇÕES!


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