Carlos Albán González | jornalista
“Cozinheiro”. Este era o apelido que nós, do Curso de Artilharia, acompanhados dos andarilhos da Infantaria, alunos do extinto Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR/6), dávamos aos colegas da Intendência. Em resposta, eles cantavam hinos que feriam a nossa masculinidade, mas nada que afetasse a amizade entre os pouco mais de 250 jovens, incluindo os alunos do Curso de Saúde, chamados de “enfermeiros”. Nossos encontros, na década 60, eram realizados nos finais de semana ou diariamente, no período das férias universitárias. Após dois anos, solenidade de entrega de espadas e baile de formatura e, para os mais qualificados, estágio no 19º Batalhão de Caçadores e na Bateria Antiaérea de Amaralina, que dava ao aspirante a patente de 2º tenente. >>>>>.
Relembro prazeroso os dias vivenciados nas dependências do velho prédio, hoje desativado, de São Joaquim (Cidade Baixa, Salvador). Aprendi muito, principalmente o sentido das palavras hierarquia, disciplina e dignidade moral, que ganharam um novo significado nos dias atuais, quando observo generais batendo continência para um capitão, acusado de insubordinação, cuja carreira no Exército foi interrompida por um tribunal militar. Por diferença de um voto não sofreu a desonra da expulsão.
O Exército Brasileiro possui hoje uma gama de especialidades, que inclui profissionais de Educação, Administração, Direito, Comunicação Social, com os mesmos direitos e promoções daqueles que foram incorporados há mais tempo, no caso, médicos, técnicos em enfermagem, veterinários, laboratoristas e dentistas, que fazem parte do quadro de Serviços. Nesse grupo estão incluídos os intendentes, responsáveis pelo suprimento e as finanças da Força.
Nas promoções e no comando das unidades o oficial do grupo de Armas (Artilharia, Infantaria, Cavalaria, Engenharia e Comunicações) leva vantagem sobre os oficiais que não são considerados combatentes, ou seja, estão sempre na retaguarda. Significa que, dificilmente, um infante chega ao generalato no serviço ativo. Pois bem, o Eduardo Pazuello é uma dessas exceções. Poderia estar hoje comodamente instalado atrás de uma mesa, administrando as finanças do Exército, aguardando o momento de receber a quarta e última estrela da carreira.
Tente entender a mente humana. O quê levou Pazuello a optar pelo cargo de ministro da Saúde, no momento em que o país vive sua maior crise sanitária e humanitária da sua História; que dois profissionais de saúde tinham deixado o cargo, por não concordar com o descaso que o Planalto enfrenta a pandemia; que chegou a declarar que não conhecia o SUS; que aconselha o uso preventivo da cloroquina e de outros medicamentos, comprovadamente ineficazes no combate ao covid-19; que foi desmentido publicamente pelo seu chefe.
Chamado de almoxarife – o termo cozinheiro ainda não apareceu – por articulistas da grande imprensa, o general, submisso, recebe as “pancadas” dirigidas ao capitão. A mais forte de todas partiu da PGR – o procurador-geral Augusto Aras “livrou a cara” de Bolsonaro –, pedindo ao Supremo que investigue a conduta do ministro na crise de Manaus.
E lá se foi o intendente para o simulacro de um apocalipse, sem prazo para voltar a Brasília. Claro, não era para menos. A missão do intendente nos 40 graus de Manaus é árdua. Vai ter que colocar em prática seus conhecimentos de logística para levar oxigênio aos hospitais e derrubar o cartel dos distribuidores do produto necessário para salvar vidas humanas; resolver o problema da falta de leitos de UTI e da transferência de pacientes para outros estados; investigar se efetivamente o governo estadual desviou recursos para combate à doença; apurar o extravio de centenas de doses de vacinas destinadas às tribos indígenas; averiguar o ato execrável dos fura-filas, que inclui três secretários municipais.
Nesse episódio condenável dos que seguem a lei de Gérson (levar vantagem em tudo) – a pena em países onde predomina a religião muçulmana seria o fuzilamento – o ministro contou com a colaboração da juíza federal Maria Pinto Fraxil, que ordenou a não aplicação da segunda dose da vacina nos infratores, punição que deve ser estendida para todo o país. Atenção Reginaldo Prado, prefeito de Candiba.
Pressionado para deixar o ministério, Pazuello negou há cerca de uma semana a falência do sistema de saúde do Amazonas, reiterando a impossibilidade de enviar oxigênio para Manaus, por não dispor de aviões. Evidente que ele não mencionou os voos do presidente pelo Brasil – na última quinta-feira, sem máscara, contrariando decreto estadual, esteve em Coribe, a 875 km de Salvador, na sua oitava visita à Bahia –, inaugurando obras alheias e preparando o caminho para a reeleição. No dia 4 de dezembro foi a Salvador, onde passou poucas horas, participando de uma sessão de orações com seus apoiadores neopentecostais.
Quando retornar do Amazonas, o ministro da Saúde, se não pedir demissão nas próximas horas, terá outra complicada equação para resolver: silenciar os brasileiros que reclamam da falta de vacinas e já foram as ruas pedir o impeachment de Bolsonaro.
Em Vitória da Conquista, a prefeita em exercício Sheila Lemos tem declarado que a covid 19 está sob controle, embora seja alarmante o número diário de contaminados e de óbitos. O imobilismo do Comitê Gestor de Crise tem causado preocupação. Na sua última conversa com a imprensa Sheila condenou as aglomerações, pedindo aos irresponsáveis que “tenham consciência”, mas não disse se tomará alguma medida; as restrições, obviamente, ao funcionamento do comércio estão descartadas. Mas não é todo mundo que pode se tratar no Hospital Sírio-Libanês, sob os cuidados de três famosos infectologistas.
As vacinas chegaram a Conquista em doses homeopáticas, insuficientes para atender completamente ao público do primeiro grupo. O posto instalado pela prefeitura, devido a distância, atendeu unicamente àquelas pessoas que foram de carro ou de moto. Sem o devido controle, era evidente, para um atento observador, que muitos veículos transportavam os repulsivos fura-filas. Somente três deles, servidores burocratas da Secretaria Municipal de Saúde, foram flagrados. Serão punidos? – pergunta os idosos com mais de 75 anos, que vivem a expectativa de um dia serem vacinados.
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