Dirlêi Andrade Bonfim | O vírus da fome

Foto: BLOG DO ANDERSON

Dirlêi Andrade Bonfim

Diante dos graves problemas de saúde pública global, nesse momento, nos são apresentados também, outros tantos problemas e as vulnerabilidades da raça humana, que ficam tão aparentes. Assim, como quase sempre acontece, foi necessário o surgimento dessa atual pandemia global, para que a sociedade se desse conta, ou tomasse consciência de outras tantas tragédias diárias e cotidianas a que estamos submetidos. Como por exemplo, o flagelo mais do que presente, que é o problema da fome no planeta. porque somos tão indiferentes a um problema tão sério quanto a pandemia mundial do coronavírus…? A nossa solidariedade…? A nossa vergonha na cara…? Que seres somos nós…? Confesso que me sinto envergonhado enquanto ser humano, quando vejo em pleno século XXI, milhares de pessoas morrerem de inanição portanto (fome) e, mais tudo isso ser tratado, com o mais absoluto descaso, pelos governos, mas, em grande medida também pela sociedade. >>>>>

No nosso caso brasileiro, é inconcebível, que um país, que está classificado como um dos maiores exportadores de proteína animal(carne) e de grãos do planeta, (celeiro mundial de café, soja, milho, arroz e feijão), centenas de milhares e até milhões de pessoas ainda passem por necessidades básicas, elementares e morram de fome… A pobreza extrema cresce 158% em três anos e recoloca o país no Mapa da Fome das Nações Unidas. O que alimenta cerca de 13,7 milhões de brasileiros por dia é insuficiente para atender às necessidades básicas de nutrição, saúde e segurança alimentar. Na infância as principais vítimas da subnutrição são as nossas crianças. A alimentação escolar vem sofrendo cortes drásticos e isso tem relegado milhares de crianças a fome. Sem falar na total desmotivação pela escola, pelos estudos, uma vez que na maioria absoluta dos municípios brasileiros, que são pobres, as crianças em geral, vão à escola por conta da merenda escolar, se não tem merenda, não há motivo, nem incentivo para ir à escola. O que acontece, quando a Constituição de um país, vem garantir, que os governos mantenham pode determinar que não deve e não pode haver desigualdade e que nenhum cidadão deve levar uma vida indigna, é muito provável que já exista gente demais nessas condições. No Brasil de hoje, uma em cada vinte pessoas termina o dia sem ter conseguido comer o mínimo necessário. Vão dormir com fome e acordar sem qualquer esperança de uma refeição satisfatória. Esse cenário assustador devolve o Brasil ao Mapa da Fome, elaborado desde 1990 pela FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. A entidade faz análises por países e regiões, propondo soluções ao problema da insegurança alimentar. Desde 2014, o Brasil estava fora desse mapa. A fome foi vencida com muito esforço, graças a uma combinação de programas sociais e de uma economia em forte expansão. O resultado permitiu que menos de 5% da população ficasse abaixo da linha da extrema miséria. Dados recentes divulgados pelas ONGs ActionAid Brasil e Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), a partir de índices do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indicam que a fome voltou a crescer, atingindo 15,7 milhões de brasileiros, o que perfaz 7,2% da população. O vírus da fome, antigas doenças sociais que se aprofundam e se alastram a cada dia na sociedade humana e brasileira. O que está acontecendo com a nossa educação…? Com a nossa nobreza e solidariedade…? Com a nossa razão e civilidade..? Estamos ajudando a construir uma sociedade fria, calculista de pessoas distantes, indiferentes a todos os problemas e as mazelas humanas e sociais, pessoas que se preocupam apenas com o bem estar pessoal, individual, uno, narcísico, então, assim nos colocamos diante de todas nossas fraquezas e vulnerabilidades, pois, o homem é por excelência, um animal social, por mais que queira se distanciar desse destino histórico e antropológico, não há muito o que fazer, ou lutamos de forma intensa para que sobressaia o coletivo, ou morreremos todos um a um… E, diante da tragédia aos milhares e milhões. Ainda que insistam em todas as teorias liberais, mostrando a importância da economia, não existe economia, sem sociedade, não existe economia, sem pessoas, portanto sem coletividade… Alguns princípios precisam ser retomados na sua integralidade e profundidade. A partir de Protágoras (481-411 a. C.), (…) “O homem é a medida de todas as coisas”, é um trecho de uma conhecida frase do sofista grego que expressa a noção do relativismo, que cada pessoa compreende uma coisa da sua maneira específica.

Buscando quem sabe tonificar a expressão de Protágoras, poderemos descrever que o homem tem o poder para determinar o valor ou significado das coisas, construindo e desconstruindo à sua própria realidade e assim, deveria não apenas repensar a sua atuação na construção da riqueza, mas especialmente, no processo da justa distribuição dela, dos bens de forma coletiva. Assim, retomamos a Apologia de Platão, uma versão de um discurso Socrático (399 a. C.) “A vida não examinada não vale a pena ser vivida pelo homem…”. Que nos coloca diante de alguns dos grandes paradigmas e dilemas da existência humana, o que… e quando somos capazes de realizações vultuosas nos diversos campos do saber e das ciências, ao mesmo tempo incapazes de resoluções tão elementares, acerca do bem estar da coletividade, fundamentalmente zerar a fome nos quatro cantos do planeta. E claro, já sabemos que a questão não se prende aos recursos sejam financeiros ou materiais, nunca se conseguiu acumular tanta riqueza na história do capitalismo, ao mesmo tempo, nunca tivermos tanta miséria e tanta fome. E a pergunta que se coloca mais uma vez… Onde foi parar na nossa humanidade…? Onde mora a nossa nobreza…? O que fizeram da nossa dignidade…? Enquanto raça inteligente, racional…? Afinal quem somos nós…? Esse ser vil e mesquinho incapaz de reconhecer as nossas vaidades, vilanias, egoísmos toscos e persistentes…? Assim vamos compondo esse cenário geopolítico da insustentabilidade… “As grandes corporações transnacionais e seus sócios/acionistas, sujeitos principais da acumulação dos bens e produtos numa escala global, não só produzem mercadorias e prestam serviços, mediante da exploração da força de trabalho, como também desigualdade, pobreza, desemprego, precariedade, exclusão, destruição da natureza, fome e morte. Por conseguinte, o sistema econômico, o capitalismo, é um sistema brutal e impiedoso para a maior parte da população mundial”, na medida em que concentra os lucros e as riquezas nas mãos de um pequeno grupo de privilegiados, um seleto número de pessoas, cada dia mais fria e indiferente a situação de precariedade das populações… Em detrimento da maioria absoluta da sociedade humana. Portanto, voltemos a discussão do vírus da fome, que assombra, assola e mata a tantas populações pelo planeta afora, dizimando sem dó, nem piedade, essa é a nossa triste, nova, velha e atual realidade, são os fatos. No último estudo publicado por (OXFAM/2020), em janeiro deste ano, e intitulado Premiar o trabalho e não a riqueza… Premiar o homem, a sociedade e não o sistema… Com uma mostra de 70.000 pessoas de 10 países, afirma-se o seguinte: “No ano passado, o número de pessoas cujas fortunas superam o 1 bilhão alcançou seu máximo histórico, com um novo bilionário a cada dois dias. Neste momento, há 2.043 bilionários (em dólares) em todo o mundo, dos quais nove de cada dez são homens. A riqueza destes bilionários também experimentou um enorme crescimento, o suficiente para acabar com a extrema pobreza no mundo até sete vezes. Além disso, 82% do crescimento da riqueza mundial, durante o último ano, foi parar nas mãos do 1% mais rico, ao passo que a dos 50% mais pobres da população mundial não aumentou o mínimo sequer” (p.9). Esta distribuição terrivelmente desigual da riqueza global se torna mais patente quando a acumulação da riqueza do 1% da população mundial é maior que a dos 99% restantes e que a riqueza de apenas 08 pessoas é a mesma que a dos 3,7 bilhões dos mais pobres. Dois terços de toda esta riqueza acumulada, segundo a (Oxfam-jan/2020), provêm de fortunas, heranças, práticas monopolísticas, nepotistas e clientelistas, além da evasão de divisas, da corrupção, do subfaturamento, da sonegação fiscal e crimes de todas as naturezas financeiras e fiscais. Apesar dos avanços, hoje os capitalistas globais utilizam o poder, a força econômica, política e tecnológica para esmagar, empobrecer e oprimir em vastas regiões do mundo, destruindo o futuro das novas gerações e o equilíbrio geral da vida no planeta. Uma minúscula porcentagem da humanidade possui grandes riquezas, enquanto a maioria padece com profundas necessidades. Em alguns lugares há trabalho e remuneração digna e suficientes, porém, na maioria do planeta a situação é desastrosa. Em todas as partes do mundo os setores mais humildes sofrem horrores para não morrer de fome. Não, o capitalismo não é uma força da natureza. Sabemos que os bilionários e alguns candidatos “ou aspirantes” (estes que afirmam não serem políticos), ficarão “chocados” quando perceberem que o capitalismo não é uma força da natureza (como a gravidade), mas sim, uma simples ideologia econômica criada por seres humanos que pensaram em obter vantagens, lucros e justificar seus privilégios. Assim, o capitalismo não é baseado em leis naturais. Toda e qualquer legislação feita por seres humanos é uma construção histórica, coletiva e cultural. Não adianta espernear, chorar e depois até nos acusar de colocar toda a culpa no capitalismo…Assim, vamos ajudando a construir esse quadro dantesco e a pergunta que se coloca é…? De que vírus estamos falando, do Covid-19, que deixa um rastro de mortes e destruição de vidas humanas pelos quatro cantos do planeta…? Ou desse vírus da fome que continua a matar de forma implacável, sem que ninguém dê atenção… As antigas, e novas doenças sociais que matam tanto quanto ou mais do que as novas pandemias globais.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor da SEC/BA**Sociologia**Cursos/FAINOR de ADM/CONTÁBEIS/ENGENHARIAS/FAINOR/2020.1*


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