Jeremias Macário | uma sociedade cruel e estúpida

Foto: BLOG DO ANDERSON

Os segmentos da sociedade pouco reagiram, somente as famílias foram às ruas protestar e a mídia apenas deu alguns registros do fato. Estou me referindo à brutalidade cometida contra dois rapazes negros que furtaram uns quilos de carne no Supermercado Atacarejo, em Salvador, na última semana. Diante de tanta crueldade e estupidez de crimes hediondos, a nossa sociedade, de tão insensível, não reage mais, e ainda tem muitos que acham que eles deveriam mesmo era morrer nas mãos dos traficantes, conforme foram entregues pelos seguranças do estabelecimento. >>>>>.

  A pergunta que não quer calar é se essa não é uma prática adotada pelo supermercado, ao invés de chamar a polícia para registrar o ocorrido na delegacia?  Como se trata de pobres negros, essa será mais uma atrocidade que irá cair no esquecimento e entrar na pasta dos arquivos mortos.

   Não interessa se eles tinham ou não passagens na polícia e quais foram as intenções ao pegarem os pacotes de carne, se por motivo de fome ou se para fazerem uma farra. Enquanto isso, os corruptos de colarinho branco da falecida Operação Lava-Jato estão todos sendo soltos e inocentados pelos seus roubos aos cofres públicos.

   Ao ver aquela cena dos dois sentados num canto ao lado dos pacotes, com semblantes de pavor, terror e medo de serem mortos, lembrei imediatamente quando eu e um colega inventamos de cometer um furto de doces, chocolates e biscoitos para comer no Supermercado Paes Mendonça, do Politeama, na mesma Salvador, no início dos anos 70.

   Quando fomos pegos pelos seguranças e fomos ameaçados de serem entregues à polícia, ficamos aterrorizados e pedimos clemência. Nessa época a sociedade não era tão desumana, e os guardas tiveram compaixão de nós e nos liberaram. Nessa época estávamos atravessando aquele aperto de passar fome por falta de dinheiro. Foram tempos duros na vida.

   Poderíamos ter sido mortos também por causa de uns pacotinhos de comida, mas tivemos a sorte da piedade dos vigias, que contou a nosso favor. Os dois do Atacarejo foram entregues aos algozes que certamente receberam algum benefício parta eliminar duas vidas humanas, coisa que não se faz isso nem com os bichos.

  A selvageria e a violência tomaram conta dessa sociedade podre e hipócrita que não mais se abala com os crimes mais primitivos e aterrorizadores. Tudo é encarado como normal, comum e legal. As instituições não mais reagem como como deveria. A imprensa apenas se presta a noticiar o factual, e logo ninguém mais comenta a crueldade, como no caso do homem negro que foi espancado até a morte em outro Supermecado de Porto Alegre.

   Os culpados serão mais uma vez premiados pela impunidade, e não tarda muito a acontecer outra estupidez. Aqui em Vitória da Conquista ninguém mais recorda da chacina cometida por um grupo de policiais num bairro da periferia, que agora não me vem o nome na cabeça.

    Vários jovens de uma mesma família foram assassinados friamente porque um militar havia sido morto por um bandido. Promotores foram ameaçados de prosseguir com a investigação. Como membro da ABI (Associação Bahiana de Imprensa) dei uma nota de apoio ao trabalho da Justiça. Fui repreendido por um “cidadão” ao afirmar que as vítimas tiveram o merecido e que deviam ser mortos mesmo.

    Temos hoje um Brasil tipo faroeste bang-bang dos filmes norte-americanos onde o episódio, como o dos rapazes da carne, se resolve na tortura e na bala. Só faltou arrastarem as vítimas pelas ruas, não puxados por cavalos, mas por carros, com uma placa “esses furtaram uns quilos de carne, que o castigo sirva de exemplo”.


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