Benjamin Nunes Pereira | Guerra de Canudos

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Benjamin Nunes Pereira

Nos anos de 1896 e 1897, o governo federal empenhou-se na destruição do arraial de Canudos onde se desenvolvia um movimento messiânico chefiado por Antônio Vicente Mendes Maciel, chamado de Antônio Conselheiro. Em várias regiões mais atrasadas do Brasil, principalmente no sertão nordestino, ocorreram movimentos místicos que envolveram um número considerável de pessoas. Desesperados com a miséria e com a fome que existiam nessas áreas, os habitantes, com frequência, seguiam os beatos e outros pregadores, que prometiam um mundo melhor através de práticas religiosas e de uma vida dedicada à comunidade messiânica. Alguns desses movimentos, na medida em que aglutinavam milhares de pessoas que passavam a viver à margem da sociedade estabelecida, atraíram as iras dos donos de terra, dos políticos e do clero, que viam neles uma subversão da ordem estabelecida. Canudos foi, talvez, o exemplo extremo desse fenômeno. Leia na íntegra o artigo de Benjamin Nunes Pereira.

Foi na década de 1870 que Antônio Vicente Mendes Maciel, assumindo a condição de beato, começou a percorrer os sertões, ele nasceu em Quixeramobim, Ceará em 1830, filho de um comerciante que pretendia fazer dele um padre. Com esse propósito foi posto pelo pai em um curso de português, latim e francês. Entretanto, as circunstâncias da vida familiar prenderam o futuro conselheiro ao balcão do armazém paterno, frustrando-se desse modo essas aspirações. Com a morte do pai, viu-se a frente dos negócios e principalmente, às voltas com as dívidas herdadas.

Há muito tempo que Antônio Conselheiro mantinha a ideia de fundar uma comunidade igualitária. Talvez nesse tempo já tivesse lido a Utopia, de Thomas More. Depois do combate de Masseté, seguiu para o Norte em longa e penosa caminhada. Foi ele quem escolheu o local onde deveria estabelecer-se com sua gente. Ao chegar a Canudos, na Fazenda Velha, lançando a sua vista do levante ao ponto que abrangia todo o horizonte cercado de serras, dissera tranquilamente: “É aqui’’. E seus adeptos prorromperam num canto triunfal, louvando a fundação de Belo Monte.

Canudos era uma velha fazenda abandonada com palhoça de pau-a-pique, à margem do Vaza-Barris ou Irapiranga, quando Antônio Conselheiro aí chegou em 1893. A origem do nome é simples e pitoresca. Anteriormente, ali se aglomerava uma população estranha e perigosa “armada até os dentes’’ e cuja ocupação quase exclusiva consistia em beber aguardente e pitar uns estranhos cachimbos de barro em canudos de metros de extensão’’ segundo as informações do vigário de Ipú”. Os tubos eram naturais – esclarecia Euclides da Cunha, formados pelas salonáceas (canudos de pito), vicejante em grande cópia à beira do rio. O curioso é que os longos cachimbos apreciados por esta gente simples e anônima iriam dar o nome à cidade de Canudos que deixou uma legenda tão heróica.

Antônio Conselheiro, conhecendo bem o sertão, soube escolher o lugar adequado para a fundação do arraial de Belo Monte. Segundo Euclides da Cunha, com o advento da república e especialmente após 1893, conselheiro apresenta “uma feição combatente inteiramente nova”. Refere-se à pregação antirrepublicana de Antônio Conselheiro e ao episódio ocorrido em Bom Conselho quando o beato reunindo o povo em um dia de feira, mandou queimar numa fogueira as tábuas com os editais para a cobrança de impostos. Seu envolvimento mais explícito na política sem dúvida constituiu uma das chaves para explicar os ulteriores desdobramentos que resultaram na formação do arraial de Canudos e a hostilidade que a República lhe devotou.

Suas críticas ao novo regime, ao contrário do que se acreditou na época, não derivaram de sua preferência pela monarquia, mas das restrições que fazia as modificações que vieram no bojo da República. Conselheiro procurava defender a antiga jurisdição da igreja sobre o casamento e o sepultamento, anulada pela separação Igreja-Estado impostos pelos republicanos. O primeiro código penal da república definia como crime do celebrante a realização do casamento religioso anteriormente ao civil e impunha penalidades aos vigários que assim procedessem; outras medidas impostas, hostis à igreja, diziam respeito à jurisdição civil sobre os cemitérios e a tentativa de proscrição da Companhia de Jesus. Nesta época não se sabe exatamente qual o teor das críticas do Conselheiro, porém mais tarde, já em Canudos, ele assim se dirigia aos fiéis: “é impotente o poder humano para acabar com a religião”. O Presidente da República, porém, movido pela incredulidade que tem atraído sobre ele toda a sorte de ilusões, entende que pode governar o Brasil como se fora um monarca legitimamente constituído por Deus; tanta injustiça os católicos contemplam amargurados. Oh! É necessário que se sustente a fé da igreja. A religião santifica tudo e não destrói coisa alguma, exceto o pecado. Daqui se vê que o casamento civil ocasiona a dualidade do casamento, conforme manda a santa madre igreja de Roma, contra a disposição mais clara do seu ensino.

A fixação em Canudos – fazenda abandonada, junto ao Vaza-barris – fez-se por esta época, vindo a alcançar o arraial, em seu curto período de existência, dimensões inusitadas no sertão. Para lá afluírem sertanejos de vários estados que, desfazendo-se de seus haveres, abandonavam os lugares de origem e iam engrossar as fileiras daquele que, então, já era o conselheiro.

Com base no relato que Euclides da Cunha nos legou, são apresentados a seguir, os principais momentos da ação repressiva.

Na escaramuça de Masseté, os jagunços do conselheiro foram atacados por trinta praças da polícia. Mais tarde, já estabelecidos em Canudos, houve o episódio da compra de madeira para a construção da igreja. O material de construção, adquirida em Juazeiro Bahia, apesar de pago adiantadamente, não foi entregue, numa ruptura de trato que Euclides sugere ter sido uma provocação deliberada. Seja como for, o fato é que os jagunços anunciaram a disposição do arrebate à formação da mercadoria, contra eles foram enviados 104 soldados, não era mais preciso encontrar motivos imediatos. Assim, para destruí-los, seguiu o Major Febrônio que lutando em Cambaio e Tabuleirinhos, sofreu fragorosa derrota, apesar de dispor de 543 praças, 14 oficiais combatentes, 3 médicos, 2 canhões Krupp e 2 metralhadoras.

Ao investir sobre Canudos, diz Euclides. “começou a esboçar-se o perigo único e gravíssimo: os pelotões dissolviam-se’’. Os grupos de soldados adentravam o arraial a procura do inimigo e, sem que percebessem, tornavam-se presa fácil para aqueles que habitavam a cidadela de Canudos. Moreira César que mobilizava a terceira expedição, juntamente com seus homens caiu numa cilada. A luta estava irremediavelmente perdida. Logo foi ferido o coronel Moreira César. Sem comando, cada um lutava ao seu modo. A retirada se empunha, ainda que de forma caótica. Euclides descreve-a não como uma operação tática, mas como fuga e “debandada”. Oitocentos homens desapareciam em fuga – escreve – abandonando as espingardas; arriando as padiolas, em que se estorciam os feridos; jogando fora as peças de equipamento; desarmando-se; desapertando os cinturões para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios. E o grito de guerra dos jagunços acabara de se impor com realidade a força do governo, que era agora realmente a fraqueza do governo, denominação irônica destinada a permanecer por todo o curso de campanha.

A derrota da expedição Moreira César bem como a morte de seu prestigiado comandante repercutira como grande comoção nacional. Aquilo parecia uma hipótese jamais cogitada, a evidência mais do que clara de que Canudos não era apenas um arraial de rebeldes, mas, sim, a ponta de lança de uma grande conspiração restauradora tramada contra as instituições republicanas. Já não restavam dúvidas. A República estava em perigo. Era necessário, a qualquer preço salvá-la.

Para a Bahia convergia, agora, tropa de todos os estados para comporem a quarta expedição, aquela destinada a redimir a “honra nacional’’. O comandante desta quarta expedição foi o General do exército: Arthur Oscar de Andrade Guimarães, comandando mais de cinco mil homens. À luz das falhas das expedições anteriores, imenso tempo foi gasto na preparação da expedição no tocante a suprimento de víveres e comunicações, somente em junho de 1897 estava a tropa pronta para a investida.

Para o combate a tropa foi dividida em duas colunas que seguiram por caminhos diferentes; uma sob o comando do General João da Silva Barbosa e outra do General Carlos do Amaral Salvaget, tendo as duas colunas como comandante geral o General Arthur Oscar.

Este combate foi um verdadeiro revés para as tropas governistas. A demonstração de que enfrentava um adversário que sabia lutar e não temia a superioridade do inimigo quebrara-lhes o ânimo.

De qualquer forma, a quarta expedição viera para exterminar Canudos e tinha, atrás de si, uma imensa estrutura mobilizada que permitia que mesmo as perdas e baixas nas tropas governistas fossem compensadas com novos reforços em prol da missão do extermínio.

Finalmente, em 5 de outubro de 1897 dá-se o último combate entre os rebeldes e as forças governistas. Assim se manifestou Euclides da Cunha: “Canudos não se rendeu… resistiu até o esmagamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, na data acima ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, à frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados’’.

Sobre as cinzas da aldeia sagrada de Canudos a República, finalmente, estava salva e consolidada, sendo que neste ano de 2021, dia 5 de outubro completa-se 124 anos do massacre ao arraial que foi completamente arrasado e incendiado.

O poeta e cordelista Dr. Tadeu Gomes, baiano de Ibiassucê, escreveu no seu Cordel “100 Canudos” um final dantesco em que diz:

Canudos foi cercado

Era combate todo dia

Soldado atirava

E jagunço respondia.

Depois de muito combate,

Tiro dinamite e canhão

O arraial não resistiu

E a Igreja foi ao chão.

No meio de tanto fogo

Apareceu um mensageiro

Era Antonio Beatinho

Ajudante de Conselheiro.

Pedindo para poupar

Menino e ancião

Foi morto pela degola

Vítima de traição.

Quando os tiros cessaram

Atearam fogo em tudo

E a guerra tem seu fim

No dia cinco de outubro.

Conselheiro estava morto

Bem antes da invasão

Enterrado na Igreja nova

Templo de sua razão.

Canudos foi destruída

Porém não se entregou

Lutou até o final

Quando a Igreja desabou.

Hoje está debaixo d’água

Lá no fundo do Sertão

No palco da tragédia

Que abalou toda a Nação.

Outro poeta e cordelista, Geraldo Amâncio Pereira, no final do seu cordel “Antonio Conselheiro e a fantástica epopeia de Canudos” escreveu:

No dia 5 de outubro,

Naquele cenário horrendo

Restavam pouquíssimos homens,

Contra um exército estupendo,

Mesmo assim não se renderam,

Os canudenses morreram,

Lutando e se defendendo.

Quando o Brasil quiser mesmo,

Que a verdade seja dita,

A história de Canudos,

Vai ter que ser reescrita,

Sem rasuras sem emendas,

Passando um borrão nas lendas

Dessa tragédia maldita.

No céu da imortalidade,

Um povo heróico inscreveu-se,

Canudos não atacou,

Atacada defendeu-se

Perseguida, massacrada,

Invadida, incendiada,

Virou cinza e não rendeu-se.

Do chão onde houve a tragédia,

Não há mais quem se aproxime,

Fez o governo um açude,

Pensando que se redime,

Nem que ele fizesse um mar

Não poderia lavar,

A nódoa infame do crime.

REFERÊNCIAS:

FAUSTO, Boris – (Org.) História Geral da Civilização Brasileira, vol. III (Brasil Republicano) – 1977 – SP. Ed. Difel S.A.

GOMES, Sebastião Tadeu – 100 Canudos, Literatura de Cordel, 1997, Salvador – Ba

MENDES JR, Antônio e MARANHÃO, Ricardo – Brasil História – Texto e Consulta – Vol. 3 – República Velha – 1979 – Ed. Brasileiras – SP.

MUNIZ, Edmundo – Canudos: A luta pela terra, 3ª edição – SP. Global Editora, 1984.

PEREIRA, Geraldo Amâncio: Antonio Conselheiro e a fantástica epopeia de Canudos, 1ª edição, 2006, Tupynanquim Editora, Fortaleza – Ce.

SOARES, Henrique Duque Estrada de Macedo – A guerra de Canudos – 3º edição, 1935 Ed. Instituto Nacional do livro – Brasileiro.

*Benjamin Nunes Pereira, é membro da Academia Conquistense de Letras e da Casa de Cultura de Vitória da Conquista, bancário aposentado, Historiador pela UESB, com pós-graduação em Antropologia com ênfase na Cultura Afro-brasileira e pós-graduado em Programação e Orçamento Público.

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