Aos 18 anos, a jovem Vera Lúcia Santana Araújo deixou Livramento de Nossa Senhora, no Centro Sul Baiano, para seguir os passos da irmã mais velha, que vivia em Brasília. Mais de 40 anos depois, Vera Lúcia, uma das filhas da professora Rosália Celestina Santana de Araújo, agora é uma senhora de 61 anos, advogada eleitoral respeitada no país e é um dos quatro nomes que, nesta quarta-feira (4), disputam três vagas da lista tríplice que deve indicar um novo ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A vaga de ministro substituto ficou aberta com a saída de Carlos Mário Velloso Filho, em março. “Não sendo uma pessoa que a família tem história no mundo jurídico, eu tive uma carreira solitária, mas com muita sorte, eu tive muito gente que me apoiou, nos saberes, na ética, no compromisso com as instituições democráticas. Meu primeiro voto foi em Brasília, e eu já tinha 26 anos, cheguei 18, e só oito anos depois . Depois eu entrei na universidade”, contou ao g1.
“A partir daquela época que comecei com a carreira, eu vi a Justiça Eleitoral se consolidar. Vivi o voto de papel, o começo do uso das urnas eletrônicas, o aperfeiçoamento da segurança, e toda essa experiência”, disse. “Nesse momento, concorrer a uma escolha técnica feita pelo STF é um de reconhecimento de toda uma construção”, diz Vera Lúcia. Vera faz parte da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno. A advogada baiana é primeira mulher negra a figurar em uma lista do TSE. Ela concorre com Rogéria Fagundes Dotti, André Ramos Tavares e Fabrício Juliano Mendes Medeiros. Para Vera Lúcia, ser a primeira mulher negra indicada para a lista do TSE apesar de representar avanços, também representa um peso para quem vive a situação. Confira a reportagem do G1.
“Tem essa historia de ser o inusitado, mas enquanto uma mulher negra estiver nessa posição de única e primeira é um passo, mas também é um fardo muito pesado. E isso pesa. A minha luta por cidadania coletiva e por inclusão é que a gente tenha isso como rotina. Ninguém se surpreende com brancos ocupando qualquer lugar. O próprio TSE tem homens e mulheres brancos. Então, já tendo mulheres, o inusitado é ser negra. Isso é algo que precisará ser trilhado por gerações”, diz.
Vera Lúcia ainda faz críticas ao tratamento do judiciário brasileiro em relação à população negra. “Temos um judiciário que faz uma prestação distinta para brancos e negros. No nosso país, há menos direitos quanto se trata das pessoas negras”, defende a advogada. Apesar de viver em Brasília desde os 18 anos, Vera Lúcia faz questão de levar a Bahia onde quer que vá. Seu lugar de nascimento é motivo de orgulho em sua trajetória.
“A Bahia é minha base, minha raiz. A minha mãe tem 92 anos é um professora reconhecida em Vitória da Conquista (no sudoeste da Bahia), como uma formadora de gerações. A Bahia tem muito da minha identidade. Embora minha vida profissional tenha sida feita em Brasília, a Bahia o que me deu lastro, me dá ancestralidade. As famílias negras têm essa tradição do mais velho puxar o outro, e quando eu saí da Bahia foi assim, minha irmã mais velha vivia em Brasília, e me trouxe, mas a Bahia é minha raiz”, conta.
Na expectativa da decisão do STF, que nesta quarta (4) define os três nomes que serão indicados ao presidente Jair Bolsonaro para que este indique um novo ministro do TSE, Vera Lúcia é integrante do Prerrogativas e, nas redes sociais demostra posicionamento crítico a ações do governo federal.
Ela acredita que isso não será impedimento na escolha do presidente da República, caso seu nome figure na lista final do STF.
“O ministro Fachin fez uma ação pioneira, com uma lista ampla, que era de 20 nomes, passou para quatro e será finalizada com três. Então, quero acreditar que, dentro da necessária harmonia entre poderes, a lista dos três nomes será respeita dentro do marco da Constituição, e o presidente escolherá um dos nomes referendados pelo STF, sem que nenhum elemento de natureza política interfira”, disse.