Dirlêi Andrade Bonfim
Quero iniciar esse ensaio com uma questão: O que é a Arte…? Seria possível a sociedade humana sem as Artes em todas as áreas e dimensão…? Ou ainda, o que seria da sociedade humana sem as Artes…? E o Artista…? Artífice, o Artesão, quem é esse Ser…? O que é o Artista…? Esse Ser, inquieto, curioso, a frente do seu tempo, muitas vezes, solitário na sua compreensão da vida, das relações, da educação, ciência e concepções de mundo. Confira o ensaio de Dirlêi Andrade Bonfim.
Para o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), a Arte imita a natureza (mímesis), mas também, por vezes, a completa. Segundo Aristóteles, está na origem da atividade artística a propensão natural do homem, na sua criação livre e genial sobre o belo, a natureza, as artes plásticas, a música, o teatro, a dança, a literatura, o labor artístico e cultural. Arte é a expressão de um ideal estético (ou seja, de um ideal de beleza) através de uma atividade criadora. É uma manifestação humana universal (existe em todas as culturas) que produz coisas reconhecidas como belas pela sociedade. Ou ainda, a Arte (do latim ars) é o conceito que engloba todas as criações realizadas pelo ser humano para expressar uma visão/abordagem sensível do mundo, seja este real ou fruto da imaginação. Através de recursos plásticos, linguísticos ou sonoros, a arte permite expressar ideias, emoções, percepções e sensações. Arte pode ser definida ainda como o reflexo da cultura e da história. Sendo que ela existe em todas as culturas e nos mais diferentes períodos da história. E tal reflexo existe tendo como base os valores estéticos da beleza e da harmonia. Vamos acompanhar que desde os tempos memoriais, pré-históricos o homem sempre sentiu a necessidade de representar o mundo e o que nele há de acordo com suas perspectivas. E essa arte evoluiu e continua a evoluir, conforme o tempo passa ao infinito, (ad infinitum). A arte, assim as tarefas e atividades artísticas, o labor, vão passando de geração a geração, como passa a ser de grande importância para a sociedade, uma vez que por meio dela são expostas características culturais e históricas de um tempo, de um lugar, de uma sociedade. Assim, ela pode ser representada também como o reflexo da existência e a essência do ser humano na sua extensão e dimensão. A história nos mostra que, com o aparecimento do Homo Sapiens, a arte teve uma função ritual e mágico-religiosa, que foi sofrendo alterações ao longo do tempo. Seja como for, a definição do termo “arte” varia consoante a época e a cultura. (a representação do ser no mundo, com todos os seus sentimentos, sensações, visões, percepções, compreensões, alegrias e sofrimentos). Com o Renascimento italiano, em finais do século XV, começa a fazer-se a distinção entre o artesanato e as belas artes. O Artesão é aquele que se dedica à produção de obras múltiplas, ao passo que o Artista é quem cria Obras únicas. Cada Artista no seu tempo, enfrentou o preconceito, a discriminação, a censura, a rejeição e toda a carga de indiferença com o seu trabalho… A maioria absoluta sempre viveu à margem, por isso, marginalizados, rejeitados, atacados e vilipendiados. Os preconceitos, as discriminações, a hipocrisia, são produzidos social e historicamente e perpassam os diferentes âmbitos da vida coletiva, estando presentes também no convívio social. Para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), a arte diferencia-se da natureza por ser uma atividade racional e livre. Não é de hoje que as expressões artísticas e culturais são alvos e vítimas de preconceito e perseguição. A Inquisição Medieval foi fundada no sul da França, em 1184, no Languedoc e combateu as heresias dos cátaros e albingenses. Em 1231, o Papa Gregório IX a instituiu oficialmente, pois queria acabar com as seitas religiosas na Itália, França, Alemanha e Portugal. Foi outro tormento para as Artes e os Artistas. O chamado “Santo Ofício” recebia as acusações contra pessoas que professassem práticas diferentes daquelas do cristianismo oficial, bem como, toda e qualquer forma de manifestação artística e cultural, que não estivessem classificadas como obras sacras, que pudessem levar a sociedade ao espírito de criticidade, ou ainda que despertasse, um olhar mais curioso, sobre o seu conteúdo, eram classificadas de obras mundanas e condenadas à fogueira, as Obras e os Artistas, em nome do “Santo Ofício”. Assim, no decorrer da história, os Artistas, Pensadores e Intelectuais, sempre foram tratados com desconfiança. Entendemos que neste mundo, cada vez mais desumanizado, aqueles que pensam diferente, sejam Artistas, Professores, Cientistas e Intelectuais, que querem uma sociedade mais justa, igualitária, mais digna, humana e fraterna e se posicionam através da sua Arte, ou mesmo com sua postura crítica, diante do cenário existente, de fato, está a correr riscos, desde sempre. Pois certamente vão desagradar o pensamento vigente, preconceituoso, fascista e discriminatório. E portanto, deverá ser eliminado. Isso acontece o tempo todo. Isso vai desde uma representação de uma pintura exposta em um museu que vale milhões de dólares, ou a apresentação de uma peça de teatro, ou mesmo um espetáculo musical, ou de dança, até o Artista de rua que trabalha com artesanato, a dança o teatro ou a música.
Vivemos na era digital, onde o consumo por conteúdo digital e streaming tem ganhado muito espaço. Isso se dá pela facilidade que temos hoje em assistir um filme, uma série, um vídeo no YouTube ou ouvir músicas de qualquer gênero, em todas as plataformas digitais. Mas, pouco se fala, discute, ou se informa, ou se dá o crédito necessário, sobre os autores das obras, sejam os diretores e ou roteiristas dos filmes, ou os compositores das obras musicais, assim como os Escultores, Pintores, ou Artesãos das Obras de Artes plástica, ou do mesmo do teatro, do cinema, ou da dança, ou ainda da fotografia, da literatura de todas as áreas artísticas e culturais. Segundo o Maestro Villa-Lobos: “O pão é o alimento da matéria, a Música e as Artes, são o alimento da Alma, o homem, não concebe a Vida sem as Artes”. Ou ainda, Pablo Picasso, afirmou: “O principal inimigo da criatividade é o senso comum”. Ele se refere ao fato de que o senso comum se baseia em uma lógica evidente, no que poderíamos chamar de uma norma da razão que parece indiscutível. “Todo ato de criação é, acima de tudo, um ato de destruição, seja das regras, dos conceitos e das concepções”. Significa que para dar lugar ao novo é necessário acabar com o velho. Somente o fato de fazer isso dá origem a uma nova realidade, uma nova perspectiva. Os Artistas, também, sempre pagaram um preço alto pelo seu posicionamento político. No decorrer da história, sempre ouve uma curiosidade, acerca das posições políticas e ideológicas dos Artistas. Muitos inclusive, foram perseguidos, importunados, numa caça ou pensamento livre e não comprometido com os diversos projetos políticos partidários. Muitos foram presos, torturados para denunciarem seus amigos, ou companheiros, ou ainda mudarem seu pensamento. Em sua obra de grande expressão Guernica (1937), Picasso, faz uma severa crítica ao Nazifascismo de Hitler e por isso mesmo, sofreu perseguição, ameaças e limitações, sua Obra, em exposição no “Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia”, em Madrid. Quando questionado sobre a Obra, apenas dissera: “que havia uma indignação sobre o processo de destruição dos soldados nazistas, na invasão dos territórios e total falta de respeito com a dignidade humana e, portanto inaceitável, criminoso e desumano”. O Picasso, passou muito tempo, tendo que se mudar de lugar, por conta das suas posições políticas. Vai afirmar Fernando Pessoa (1919), “A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação, o ser humano livre de todas as amarras”. Mas, segundo José Saramago(1987), “Nem a Arte, nem a Literatura, tem de nos dar lições de moral, a Arte, não se presta a isso. Somos nós que temos que nos salvar da hipocrisia, maledicência e isso só é possível com uma postura de cidadania e ética, ainda que isso possa soar antigo e anacrônico”. O próprio Saramago, sofreu toda a censura da sociedade conservadora do seu país. Ao lançar o seu Livro Clássico: O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), em que foi convidado a se retirar da sociedade portuguesa. Assim, acontece em vários lugares do mundo, quando os Artistas se arvoram a enfrentar o pensamento unânime da sociedade vigente. Um outro aspecto, não menos importante, é a concepção mercadológica e produtivista dos trabalhos artesanais, artísticos e culturais. Que sofrem também, dentro de uma visão capitalista. Assim vivemos esse preconceito com o trabalho artístico cultural… Isso ainda acontece, pois o trabalho artístico é visto como “inferior” ao produtivismo. Em outras palavras, um trabalho artístico tem menos valor do que um trabalhador que dedica nove, dez ou doze horas do seu dia em uma empresa, dentro da ideologia do capital e produção. Nessa linha de pensamento, só é visto como trabalho o que é produto do esforço empenhado em produtividade rentável e, muitas vezes, tangível. Como se cada ser, tivesse que produzir como uma máquina sob o controle feroz do sistema econômico do capitalismo. Temos outra questão muito séria que envolve os Artistas e seu trabalho. Os veículos de comunicação de Massa, que em geral, tem uma estreita relação com o capitalismo, sendo que os sistemas midiáticos, são oferecidos como instrumentos da ordem capitalista para a sua manutenção através do processo de alienação da sociedade, esses meios tem como parte dos seus instrumentos, a propaganda e o entretenimento, se utilizando de alguns artistas e suas obras para o processo de manipulação e alienação social. Comprometendo, muitas vezes, a educação e a conscientização da população, que de forma completamente alienada, apenas consomem os produtos midiáticos sem quaisquer questionamentos. É muito comum neste sistema, os acordos e contratos de artistas, que se vendem ao sistema. Segundo o Professor Noam Chomsky (2017), “ É necessário manipular e alienar a população, para que não exerça seu poder da criticidade, assim fica muito mais fácil controlar os impulsos da sociedade, para as grandes transformações”. Portanto, para os veículos de comunicação em geral, redes de rádio difusão e TVs, além da internet, se faz necessário, a utilização da chamada cultura de massificação, para se manter esse controle social das massas. Assim, percebemos o quanto é árdua e difícil tarefa do trabalho artístico, que enfrenta tantas barreiras, discriminação, censura, indiferença e injustiça, para levar ao público, as suas Obras, que extrapolam simplesmente, esse valor monetário imposto pelo sistema econômico e que está para além da compreensão de muitos. Contudo, não dá para imaginar a sociedade humana sem a presença das Artes e sem a contribuição inestimável dos Artistas e suas Obras.
**contribuição do Professor DsC. Dirlêi A Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental, Professor/CIEB da SEC/BA**Sociologia**Cursos/Técnicos/CETEP – Professor/Formador/IAT/SEC/BA.**