Ruy Medeiros
Á beira dos estabelecimentos militares você vê automóveis, homens e mulheres enrolados na bandeira oficial do Brasil. Esses homens e mulheres autointitulam-se patriotas. Dizem expressamente que querem um governo de força: a intervenção militar. Bradam contra o resultado das eleições presidenciais, mas aceitam o resultado daqueles que, nos estados da União, elegeram governadores de extrema direita. Oportunistas. A bandeira cujas cores verde e amarela foram herdadas respectivamente da Casa de Bragança e da Casa d’Áustria, lembra aquela da qual o Poeta Castro Alves dizia que seria melhor tê-la visto rasgada na batalha de que servir a um povo de mortalha. É bom lembrar: Castro Alves revolta-se com a escravidão e com o fato de a bandeira auriverde haver sido hasteada no navio negreiro, tendo sido depois da Guerra fixada à lança dos heróis. Ele diz em versos de o Navio Negreiro:
Tu, que da liberdade após a Guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha.
Nem sabia o poeta que o auriverde pendão continuaria servindo de mortalha aos milhares que sucumbiram diante de pandemias, às vítimas da violência do Estado, especialmente jovens negros e pobres em geral, ao famintos aos desempregados. E à liberdade. Continue a leitura.
Ai está ela à testa de caminhões e automóveis diversos, enrolando pessoas, içadas em hastes improvisadas, árvores e postes, à porta de estabelecimentos militares, conduzida por almas alienadas e vivandeiras dos quartéis.
Querem aqueles acampados à porta dos quartéis intervenção militar: uma espada sobre suas próprias cabeças, um fuzil apontado para seus próprios peitos, o terror do Estado. Falam estranhamente em liberdade, mas propõem a sujeição à farda, inclusive – é evidente – deles mesmos.
Dói, mas é bom lembrar, porque almas alienadas e vivandeiras de quartéis esqueceram ou tiveram a memória apagada pelo desapontamento e pela raiva, ou concordam com o terror do Estado:
Historicamente não está longe o grito de apelo, instigado pela extrema direita e pela CIA, na primeira metade da década de 1960, por intervenção militar, seguida de golpe de estado, já desejado por setores das forças armadas. Promoveram essas o golpe e a ditadura.
Uma vez estabelecida a ditadura, vieram as prisões, as cassações de mandatos políticos que haviam sido legalmente conquistados e suspensão de direitos políticos, a censura aos jornais, rádios, revistas, televisão, teatro, música, cinema, prosa e poesia, o exílio, a expulsão de jovens de suas escolas, a suspensão do Habeas Corpus para acusados de crimes políticos, o desaparecimento de pessoas, o puro assassinato e o assassinato após tortura. Veio também o arrependimento e o sentimento de culpa de alguns apoiadores do golpe ao verem filhos seviciados nos porões da ditadura, expulsos de escolas e faculdades, obrigados ao exílio.
Intervenção militar sempre significou isso. É isso que querem as almas alienadas e as vivandeira de quartéis, dentre alguns advogados que, quando receberam sua carteira, prova de inscrição nos quadros da OAB, juraram defender os direitos humanos e a Ordem Democrática.
Alienam-se homens e mulheres quando querem transferir à farda ou ao ditador seu direito de eleger governantes, pensar, produzir cultura, ter o direito de ouvir vozes diversas e ler textos diversos. Transferem para outrem a sua liberdade.
Ruy Hermann Araújo Medeiros
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