Jeremias Macário | essa sociedade falsa e hipócrita

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor

Convivemos diariamente com os absurdos e paradoxos nesse país onde essa nossa sociedade já tem a cara de falsa e hipócrita, que acha que se salva de suas depressões e culpas de consciência fazendo uma doação nas ocasiões de tragédias. Ela mesma cria o monstro e depois manda matá-lo. Acha que uma doação resolve tudo? Mirem-se no exemplo das catástrofes causadas pelas chuvas excessivas no litoral norte de São Paulo que mataram quase 70 pessoas e deixaram milhares de desabrigados no olho da rua. Nessa hora aparecem doações de todas as partes, exatamente dessa sociedade culpada por agredir a natureza e não aceitar que o pobre melhore de vida. Por tudo isso, o Brasil de hoje é o país das doações. Quanto mais misérias e desgraças, mais doações. Confira na íntegra.

Sobre São Sebastião (SP) estava vendo uma reportagem onde o prefeito tentou há muito tempo relocar as habitações de trabalhadores de locais inadequados, irregulares e perigosos para uma área litorânea onde só moram os ricos e turistas em suas mansões. Lá, em frente do mar com seus barcos luxuosos estão todos seguros.

Pois bem, as associações de moradores, o setor imobiliário e lideranças burguesas reagiram prontamente para que o projeto social de moradias não se concretizasse alegando que, sem a devida estrutura de saneamento, iria impactar o meio ambiente com o despejo de lixo, entulhos e esgotos no litoral das praias. São tão cínicos que se utilizam de argumentos fajutos e esfarrapados para ficarem bem distantes da pobreza. Até parece que esse tipo de sociedade se preocupa com a natureza!

Como o poder econômico fala mais alto e sob forte pressão, o prefeito recuou. Não demorou muito tempo e essa mesma sociedade desumana tratou de usar o terreno com a implantação de um resort e mansões. Nem é preciso dizer mais nada que essa gente tem nojo dos pobres e não quer eles por perto. Acha que todos são bandidos, sujos e só trazem doenças e violências.

Se o programa tivesse sido realizado teria agora evitado dezenas de mortes dos deslizamentos dos morros onde moravam. É essa mesma sociedade burguesa cruel que agora se junta para dar doações, como se isso fosse o suficiente para apagar seu desejo de ver bem longe dos operários escravos que servem a eles ganhando migalhas salariais.

Os pobres foram empurrados para as encostas dos morros porque os ricos assim o fizeram, sendo os maiores consumidores e produtores de lixo que contribuem para o aquecimento global, tendo como consequências as bruscas mudanças climáticas. Por ironia e destino da vida, os mais fracos são os mais atingidos quando batem os desastres da natureza que não perdoa o homem predador.

Temos aqui, bem perto de nós, a exploração pretérita de pedras e areias da Serra do Periperi, em Vitória Conquista, cortada ao meio pelo anel viário. Como jornalista e repórter fui testemunha dessas depredações e até fui hostilizado. Sem espaço, em suas encostas vivem hoje os mais pobres. Quando caem as fortes chuvas é aquela bagaceira de entulhos e detritos que descem lá do alto.

Vivi muitos anos em Salvador e a memória não me falha quando acompanhei os conflitos dos riquinhos do Bairro Costa Azul contra uma comunidade que morava próxima, se não me engano chamada de Faxina. Para eles (os poderosos) todos eram marginais e tinham que ser retirados dali. Estive lá e constatei que a grande maioria era de trabalhadores autônomos.

Por que as moradias do programa “Minha Casa, Minha Vida” são sempre construídas nas periferias das periferias, sem transporte e saneamento básico adequados? Nos centros das grandes cidades existem muitos prédios e casas abandonadas, mas os governos não fazem um planejamento sério para ocupar essas unidades. Em nossa história jamais existiu governo dos pobres porque a elite não deixa.

Dos seus prédios e apartamentos mais altos, essa sociedade capitalista selvagem não aceita ter como paisagem olhar a miséria lá embaixo. Sempre negou dividir seus lucros e torce a cara para qualquer política de cunho social. Não aceita repartir para reduzir as desigualdades. Agora reclama e pede morte quando leva chumbo grosso lá debaixo.


Os comentários estão fechados.