Nadjara Régis | advogada
Ano passado, após fazer-lhe a pergunta, meu filho me disse que a professora não havia falado sobre o “Dia do Índio”; e que nada foi falado naquele dia, nem naquela semana, a respeito da cultura indígena. Eu indaguei a escola, e, da área pedagógica, veio a mensagem de que a abordagem seria feita durante o ano, porque o assunto era muito complexo. Mas – pudera! – nem lembrar a data comemorativa? Assuntos complexos existem para serem abordados, e uma a unidade educacional tem justamente o desafio de educar as crianças, adolescentes, jovens e adultos para o pensamento complexo. É que simples são os regimes autoritários; a democracia contemporânea requer o pensamento complexo. A pessoa precisa desenvolver a qualidade de saber interligar as diferentes dimensões do real. Sim, não é fácil. Confira a íntegra do artigo de Nadjara Régis.
Assim, não pestanejei diante a oportunidade de participar como ouvinte do I Fórum da Igualdade Racial, Combate à Intolerância e ao Racismo Religioso realizado, na sexta-feira, 31 de março, pela seccional, de Vitória da Conquista, da Ordem da Advocacia do Brasil (adoto a nomenclatura que considero a mais adequada).
A unidade de ensino que não promove a leitura obrigatória de obras de autoria indígena ou negra, e que não trabalha a compreensão do tema racismo, contribui preponderantemente para a condição de vulnerabilidade intelectual de suas estudantes, deixando de prepará-las para a realidade da sociedade onde vivem. Isto porque a sociedade onde vivem é a brasileira, regida por leis que preveem a responsabilização civil e criminal de pessoas que praticam racismo.
Então a escola e a faculdade que não desenvolvem a competência de preparar sua comunidade estudantil sobre o racismo contribuem preponderantemente para a formação do risco potencial de cometerem injúria racial e racismo – dois dos três únicos crimes considerados imprescritíveis, e, também, inafiançáveis, dentre os mais de trezentos crimes previstos nas leis brasileiras.
Este ano a escola de meu filho está mostrando conexão com a Lei nº 10.639, de 2003. Esta lei, ao ser bem aplicada em um ambiente, conduz ao conhecimento obrigatório de obras de autoria negra e de autoria indígena, fazendo o leitor acessar imediatamente o ponto de vista de uma autora negra ou indígena. Acessar esse pensamento é reconhecer que povos indígenas e povos negros também são responsáveis pela produção da riqueza do país, a dizer da produção literária e da científica.
A Lei nº 10.639 não promove o ensino das religiões de matriz africana em sala de aula. Em rápida leitura dessa lei sabemos que o objetivo é promover o acesso ao conhecimento produzido por indígenas e afrodescendentes. A lei é realizada ao máximo quando, durante um curso, há o estudo de obras de autoria indígena e de autoria negra, o estudo obrigatório, transparente e consciente – dizendo-se o porquê, a finalidade.
O conhecimento é o caminho a ser feito. A pessoa pode ter amiga negra ou indígena, namorada negra ou indígena, cônjuge negra ou indígena, filha ou ascendente negra ou indígena, pode ser do candomblé ou participar do rito da ayhuasca: isto não quer dizer que compreende o racismo na sociedade, que consegue identificar uma situação de racismo, ou que está imune a produzir racismo. Racismo não tem partido político, está na direita quanto na esquerda. Não tem religião. Está, inclusive, no seio dos movimentos que lutam para combatê-lo.
A realização da Lei nº 10.639 acontece quando a comunidade estudantil da educação básica, fundamental e superior acessa e estuda obrigatoriamente o conhecimento literário e científico produzido por indígenas e afrodescendentes. É isso que oportuniza o (re)conhecimento da contribuição dos povos negros e indígenas na formação da cultura, da intelectualidade, da produção científica e da riqueza de nosso país, e, por consequência, promove a cultura de fraternidade tão reivindicada, por exemplo, pela comunidade praticante de uma religião de origem africana ou afroindígena. O candomblé e a umbanda que sempre foram frequentadas por pessoas pretas e brancas, e que vêm tendo terreiros com dirigentes brancos.
Percebemos que na democracia contemporânea ocidental, parte do Poder pactua o entendimento de que o racismo deve ser enfraquecido. Por isso, no Brasil – país com maior população negra fora do continente africano –, toda organização social ou de poder comprometida com a radicalização da democracia tende a criar diálogos e ações no sentido de enfraquecer o racismo na formação das almas brasileiras.
A gestão da OAB Conquista – pela vez primeira presidida por uma mulher – demonstra, com a adoção desse evento em seu calendário, que não há justiça com racismo. Daí que eu estou desde já no aguardo do II Fórum da Igualdade Racial, da OAB Vitória da Conquista: nasceu; que cresça e apareça!