Nadjara Régis | advogada
A Secretaria de Políticas para Mulheres foi criada pela primeira vez no governo federal. Isso se deu no primeiro governo Lula, em 2003. A Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – SEPM era diretamente vinculada ao gabinete da presidência, equiparada a um Ministério. A reforma ministerial que Bolsonaro promoveu em seu governo criou o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta que, entre 2019 e 2022, foi chefiada por Damares Alves, atualmente senadora. A diferença é que na Lei Orçamentária Anual da União a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – SEPM aparecia como uma unidade do órgão da Presidência da República, enquanto um Ministério está para a LOA como está o órgão da Presidência da República. Isso oferta mais autonomia orçamentária e de gestão. No seu terceiro mandato, Lula então mantém as políticas para as mulheres aos cuidados de um Ministério, porém exclusivamente para tal: Ministério das Mulheres. A pasta está chefiada pela estudiosa e militante Aparecida Gonçalves, diga-se, sem filiação partidária, e que acumula importantes experiências de gestão na área. Continue a leitura.
Dos 26 estados brasileiros, apenas meia dúzia mantem uma Secretaria Estadual para Políticas de Mulheres. A Bahia mantém a Secretaria de Políticas para Mulheres, atualmente chefiada pela liderança sindicalista Elisângela Araújo.
Agora vamos falar de Vitória da Conquista. Uma cidade com milhares de mulheres que lideram no comércio, no associativismo e nos espaços educacionais, e com mais de 50% do eleitorado feminino. Na ocupação de cargos eletivos, entretanto, a inserção da mulher é demais tímida. Conta-se nos dedos as mulheres que disputaram eleições e conquistaram mandatos eletivos.
A primeira vereadora foi Geny Fernandes, conhecida por Zaza (1936), influente liderança política. Ilza Matos teve três mandatos como vereadora, a partir de 1973, e presidiu a mesa diretora da Câmara; Margarida Oliveira foi candidata a prefeita (1982), elegeu-se deputada estadual (1991) e vice-prefeita (1992); Carmen Lúcia foi suplente e ascendeu ao mandato de vereadora nos anos 90 – inclusive dá nome ao plenário da Câmara de Vereadores.
Helita Figueira disputou três vezes e conquistou um mandato de vereadora (1997-2000); Lígia Matos exerceu dois mandatos de vereadora e chegou a disputar uma vaga na Assembleia Estadual; Nildma Ribeiro (2017-2020), segunda vereadora negra fez um mandato; Viviane Sampaio, eleita e reeleita vereadora (2016 – 2023); Irma Lemos, primeira mulher negra a conquistar um mandato no legislativo municipal, reelegendo-se (2000-2008), e primeira mulher negra a exercer o cargo de vice-prefeita.
Vale lembrar que foi a liderança de Irma Lemos que levou sua filha Sheila Lemos a compor, em seu lugar, a chapa da reeleição encabeçada por Herzem Gusmão, vez que até aquele momento a filha era conhecida por ter presidido a Câmara de Dirigentes Logistas – CDL. Atualmente, são duas as mulheres que se destacam porque demonstram exercer influência real nos rumos da política local.
Lúcia Rocha, por ser a mulher com mais disputas e vitórias eleitorais, estando em seu seu oitavo mandato de vereadora, foi presidente da mesa da Câmara Legislativa, foi candidata duas vezes a estadual com votação expressiva, e por toda essa trajetória bem sucedida independentemente de alternâncias de governo municipal, é um nome de peso para compor chapas para o Executivo Municipal.
Sheila Lemos, a terceira vice-prefeita, desde a conquista do voto feminino, e a primeira prefeita de Vitória da Conquista, que ascendeu ao cargo por causa da morte do prefeito reeleito Herzem Gusmão. Ela quem capitaneará, provavelmente, a primeira grande disputa encabeçada por uma mulher ao Poder Executivo de Vitória da Conquista, após a Constituição de 1988. Antes dela, somente Margarida Oliveira, em 1982.
Disputará, provável e principalmente, com um homem do Partido dos Trabalhadores. Dizem que Waldenor, ou José Raimundo. Ou será que o PT finalmente forjará uma candidata coerente com o programa de empoderamento da mulher defendido nos movimentos sociais pelo partido?
Mulher que quer mais mulher na política devia votar em mulher.
Acontece que não basta ser mulher, é preciso compreender o papel reparador que temos ao alcançar um poder político. Porém mesmo quando esse papel é compreendido, não é fácil realizar conquistas para a igualdade de gênero em um ambiente adverso. E o Estado brasileiro é um espaço absolutamente hostil à presença de mulheres em cargos de chefia e direção. Imaginem se for uma mulher com consciência da desigualdade de gênero.
A prefeita Sheila Lemos tenta, assim, corrigir sua desatenção à causa. Desatenção porque seu governo praticamente não tem mulheres no primeiro escalão, desde 2021. De 18 agentes políticos que ocupam a chefia de secretarias municipais ou de órgão equiparado, atualmente apenas 03 são mulheres: Thayse Gusmão está Ouvidora Geral, Geanne Oliveira está Secretária de Governo e Ana Cláudia, como Secretária do Meio Ambiente.
Trata-se de um recuo frustrante; sim, recuo: no governo de Guilherme Menezes houve ocasião de equilíbrio de gênero na ocupação dos cargos de alto escalão. Essa redução drástica paradoxalmente no governo de uma mulher seguiu-se, contudo, sem o protesto de organizações sociais. Uma conclusão é a de que quando estivemos em quase maioria na ocupação da chefia de secretarias municipais, isso não representou uma conquista.
Por isso, ao enviar o Projeto de Lei Complementar nº 7/2003, criando a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a prefeita, ela que detém o poder real, usa-o agora para alterar essa realidade voluntariosa. Adotando o paradigma federal no âmbito do município, Sheila dá um passo significativo para que se comece a tratar a igualdade de gênero como política pública: conquista da sociedade, independentemente de governos.
No Projeto de Lei Complementar nº 07, de 2023, a previsão, dentre outras ações, é de que seja elaborado um Plano Municipal de Políticas para Mulheres, e sejam criados bancos de dados sobre informações respeitantes a igualdade de gênero. Na mensagem, a prefeita enfatiza o combate à violência contra a mulher.
Essa é uma sinalização programática tão importante quanto a necessidade de equilibrar, o mais breve, a presença de mulheres no alto escalão do seu governo. A desigualdade de gênero não é monopólio de um grupo, está na esquerda, no centro e na direita.
O enfraquecimento do racismo e da desigualdade de gênero é em verdade um pacto liberal, que vem se efetivando nas sociedades ocidentais, enfrentando e vencendo os ortodoxos, que pautam a legitimidade das conquistas na vitória do mais forte. Não é monopólio da esquerda, até porque existem ortodoxos na esquerda e na direita.
É possível ter uma Administração Pública liderada por uma mulher tal como por um homem, elas e eles com seus acertos e erros, honestos ou corruptos, de direita ou esquerda.
Mulher, pode, sim, votar em mulher; e homem, pode, sim, votar em mulher. Que 2024 nos dê uma eleição bem diferenciada na história política de Vitória da Conquista. Partidos políticos, abram alas que elas querem passar!