Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor
Quando chega o “Dois de Julho”, data da independência da Bahia livre do jugo dos portugueses, historiadores e pesquisadores escrevem muito sobre a história daquela época, os fatos, os personagens, os símbolos e as lutas travadas que contaram com a participação popular de brancos, negros, mulatos, senhores de engenhos e índios. No entanto, pouco se fala sobre a Bahia de hoje no campo socioeconômico e a de 200 anos na época das lutas pela independência. Os sociólogos, antropólogos e estudiosos precisam mais se aprofundar nesta questão e mostrar que, depois de 200 anos, continuamos um estado pobre, subjugado pelos poderosos e ainda com os mais baixos índices nos níveis da educação, da saúda, do desemprego e do saneamento básico em relação aos outros estados da federação. Continue a leitura de mais uma opinião de Jeremias Macário de Oliveira.
É claro que evoluímos nos setores da economia, no progresso industrial e tecnológico, nos programas de políticas públicas e outros itens humanos, mas ainda é uma Bahia de muita pobreza, de baixa qualificação educacional, carente na saúde e ainda discriminatória e preconceituosa. Em termos de desenvolvimento humano e justiça social, a Bahia está atrasada depois de 200 anos.
Hoje Salvador é uma capital de cerca de quatro milhões de habitantes, onde mais da metade vive em habitações irregulares em terrenos insalubres e nos morros, sem a devida infraestrutura (um grande contingente proveniente do êxodo rural vindo do interior a partir dos anos 70 do século passado), cheia de problemas e com uma grande dívida social. As desigualdades sociais são gritantes.
Era uma Bahia de cerca de 100 ou 200 mil moradores da época da escravidão, do tráfico ilegal praticado pelos senhores de engenho, capitães de navios e traficantes de carne humana da costa africana, principalmente do Golfo do Benin, mesmo após as leis e acordos feitos, em 1831, com a Inglaterra para acabar com este comércio.
Foram estes mesmos negros cativos e emancipados que tiveram uma grande parcela de contribuição nas lutas pela independência do Dois de Julho de 1823. Ainda hoje, depois de 200 anos, de uma forma mais sofisticada, ao estilo selvagem capitalista, permanece a escravidão no trabalho com a exploração da mão de obra e com o poder na mão dos brancos, como os portugueses de outrora.
UM POUCO DE HISTÓRIA E O INTERIOR
Sobre um pouco de história desse bicentenário, um comentário de Alan Rodrigues, num jornal impresso da capital, diz que a conquista da independência do Brasil na Bahia é resultado de uma série de movimentos e mobilizações espalhados por todo estado. O sonho era se libertar da coroa portuguesa. O sonho continua em outras frentes libertárias, especialmente dos direitos humanos.
Segundo Alan, a origem da tropa patriota que enfrentaria os portugueses começou a se formar muito antes do Dois de Julho. Em fevereiro de 1822, antes de D. Pedro I decretar a independência no Grito do Ipiranga (Independência ou Morte), tiveram início os conflitos em solo baiano e tropas recuaram do Forte de São Pedro para o Recôncavo Norte, na Casa da Torre.
Conta o pesquisador que Antônio Joaquim Pires de Carvalho, senhor da Casa da Torre, arregimentou um embrião do exército libertador composto de brancos, negros, mestiços e índios. A Casa da Torre, que servia de ponto de vigilância contra os inimigos estrangeiros no mar, tornou-se uma das principais bases de comando da guerra.
Joaquim Pires de Carvalho, senhor de engenho se tornou capitão-mor agregado à vila de Santo Amaro da Purificação e primeiro comandante da tropa patriota, como ressalta Alan Rodrigues. A Feira de Capuame (Dias D´Ávila) forneceu mantimentos para os soldados e armazenou armas e munições, de acordo com o historiador Diego Copque em seu livro “A Presença do Recôncavo Norte da Bahia na Consolidação da independência”.
Historiadores descrevem que o acesso ao local era feito pela Estrada das Boiadas, com início na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo e passava por Pirajá, Água Comprida (Simões Filho), Moritiba do Rio Joanes, chegando a Camassary, Capuame até chegar ao Açu da Torre. Por esse caminho o gado era levado para o matadouro de Barbalho. As tropas bloquearam essa estrada e os portugueses ficaram sem suprimentos.
Alan assinala que foi no primeiro centenário (1923) que foi inaugurada a primeira estrada Salvador-Feira (não essa BR-324). Às margens dessa estrada, em 27 de julho de 1822, foi instalado, no Engenho Novo Cotegipe, um quartel-general, a quatro léguas de São Bartolomeu de Pirajá.
Outros municípios também contribuíram para arregimentar apoiadores. A Câmara da Vila de Nossa Senhora da Purificação de Santo Amaro foi a primeira Casa Legislativa a se pronunciar pelo reconhecimento de D. Pedro I como regente constitucional do Brasil, como informa a diretora geral do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC), Luciana Mandelli.
Outro município que teve importante papel na independência foi Saubara, pois sua localização representava entreposto para o Rio Paraguaçu e proteção de outras localidades. Vlademir Pinheiro, diretor da Fundação Pedro Calmon, enfatiza a participação feminina ao citar o movimento “As Caretas do Mingau”.
Eram mulheres de religião de matriz africana se fantasiavam para assustar os portugueses católicos e, assim, levar mingau para as tropas que se escondiam na mata. Dentro da história da independência, muita coisa foi resgatada através da oralidade do povo, como foi o caso de Felipa, de Itaparica, considerada uma das heroínas nas batalhas.
A Ilha de Itaparica teve também papel decisivo nos confrontos, interrompendo o abastecimento de tropas de Portugal – segundo Alan Rodrigues. Outra cidade de destaque nas lutas foi Caetité, aqui em nossa região sudoeste, que aderiu, em 15 de agosto de 1822, a proposição do Brasil ter um único poder central executivo.
Caetité mobilizou o sertão baiano, com apoio financeiro, homens, armamentos e mantimentos para Cachoeira, sede do governo provisório. Os combatentes desta cidade ainda expulsaram os portugueses remanescentes após a vitória através de lutas travadas pelo grupo chamado “mata-marotos.
Embora o Dois de Julho seja tombado como bem imaterial da Bahia, em tese ficou resumido ao cortejo de Salvador. A diretora do IPAC, Luciana, vai entregar um projeto de revalidação do cortejo através de um edital para recebimento de propostas de inventário (Lei Paulo Gustavo), para levantamento de acontecimentos e personagens que fizeram parte das lutas.
De acordo com informações, cada município vai ganhar um busto que simbolize a passagem do Dois de Julho. Luciana cita a luta dos abolicionistas, a participação de Caetité e Vera Cruz. O projeto visa incluir todos baianos na luta de resistência e organização cívica, política e popular.