Ao longo da semana, a vendedora Ana Carolina Oliveira, 18 anos, estava ansiosa para participar da 2ª edição da Marcha do Orgulho LGBTQIAPN+, realizada neste final de semana por vários coletivos e movimentos que compõem a comunidade LGBTQIAPN+, em Vitória da Conquista. Ela insistiu para que a namorada, Daniele Nascimento, 19, a acompanhasse ao evento. E, na tarde deste sábado (1º), assim que ambas chegaram ao Bosque da Paquera, onde se depararam com a Feira Cultural da Diversidade e o trio elétrico onde ocorreram as apresentações dos 12 artistas convidados, Ana Carolina foi surpreendida pela companheira, que lhe ofereceu um anel de compromisso, tornando o relacionamento, digamos, mais “oficial”. “Estou muito emocionada. Estou tremendo muito, porque eu não esperava. É a nossa primeira vez na parada, também. A gente nunca tinha vindo. Eu já vinha com a emoção à flor da pele, e agora… Nossa, eu estou muito feliz”, comemorou Ana Carolina, depois de receber o presente.
Daniele se justificou pelo ato: “Ela é mais assim, gosta de demonstrações. Aí, eu achei que, se eu fizesse aqui, ia ser perfeito para ela. Foi ela que insistiu para eu vir hoje. Achei que ia ser o lugar perfeito para pedir”. E por que a Marcha do Orgulho LBGTQIAPN+ pode ser considerada o lugar “perfeito” para uma demonstração de amor desse tipo? Daniele responde com amor e dor: “Estou muito feliz e orgulhosa. Para estar aqui, a gente passa por um monte de coisas, com pais, com a família. E estar aqui hoje, representando, é muito bom”. Ana Carolina segue na mesma linha de raciocínio, mencionando sentimentos de alegria e de sofrimento: “Eu digo a mesma coisa. A gente já passou por muita coisa difícil. E meu sonho sempre foi estar na marcha, representando. E, também, faz pouco tempo que eu me assumi para os meus pais. Foi muito bom estar aqui. Estou me sentindo muito feliz”. Para muitos dos que estavam ali, o afeto predominante parecia ser o mesmo que era compartilhado por Ana Carolina e Daniele: acolhimento, palavra utilizada por vários participantes da Marcha, inclusive outra estreante, Letícia Silva, de 20 anos.
“Eu queria ter vindo no ano passado, só que não deu. É um sentimento de orgulho e acolhimento”, contou, confidenciando que se sentia mais acolhida ali do que em outros espaços que frequenta no dia-a-dia. Talvez um dos motivos para isso esteja no que apontou Adriel Paixão, 21 anos, membro da equipe de organizadores do evento: “É ótimo saber que a gente pode ser livre o quanto a gente quiser, enquanto outros não podem. Os convites foram para várias cidades onde não tem esse movimento LGBTQIAPN+”. Mas foi o organizador da Marcha, Anderson Santos Rocha, quem sintetizou da forma mais completa o que motivava todos ali a se juntarem para compartilhar afetos: “Nós ocupamos os espaços onde nos sentimos acolhidos”. Janaína Brito, dirigente da ONG Mães da Resistência, entende bem do assunto. A organização de que faz parte, presente em vários estados brasileiros, é um coletivo formado por mães, pais e familiares de pessoas LGBTQIAPN+ que se dedicam a oferecer auxílio a quem tem dificuldade de compreender e aceitar os filhos que se revelam membros dessa comunidade. Outro ramo de atuação das Mães da Resistência é auxiliar juridicamente quando essas pessoas estão em situação de vulnerabilidade ou são vítimas de violência.
Mãe de um adolescente trans, Levi, hoje com 14 anos-, a própria Janaína foi amparada pela ONG há cerca de dois anos, quando sua casa, em Poções, foi apedrejada por pessoas homofóbicas. Hoje, como integrante do coletivo, ela devolve a outras mães e pais o amparo que recebeu quando precisou. “Eles me acolheram quando passei por isso”, relatou Janaína, que foi à Marcha em companhia da amiga Rose França e do filho dela, Otávio, 22 anos. Tanto acolhimento se dá por empatia, mas também por necessidade. Afinal, como lembrou o coordenador municipal de Políticas LGBT, José Mário Barbosa, a vida não costuma ser fácil para quem integra a comunidade LGBTQIAPN+. “No Brasil, a gente continua sendo o primeiro lugar no mundo em LGBTfobia. A Bahia saiu do terceiro lugar e ocupou, no ano passado, o primeiro lugar. E nós moramos em Vitória da Conquista, estamos no terceiro lugar na Bahia, entre os 417 municípios”, informou. Mencionando esse contexto social dramático, José Mário ilustrou o quanto se faz necessária uma atuação institucional em defesa dessas pessoas, que são hostilizadas unicamente por serem quem são.
E, a despeito da violência praticada contra o público LGBTQIAPN+, as conquistas vêm surgindo gradualmente, em consequência de uma longa luta por garantia de direitos. “O Supremo Tribunal Federal legislou a nosso favor e decretou, em 2019, que o racismo LGBTfóbico está amparado na Lei 7.716, que é a lei do racismo”, disse o coordenador. “Em Vitória da Conquista, o Governo Municipal e a prefeita Sheila Lemos têm empoderado a nossa política no sentido de dar condições para atendimento jurídico e psicológico e da ampliação das redes das unidades de saúde para o acolhimento da saúde integral da população transgênero. E, também agora, na Educação, vamos ser pauta no ano que vem, na jornada pedagógica, com a política LGBTQIAPN+. São conquistas, e são muito importantes”, enumerou José Mário, para quem a Marcha foi um “momento de glória e de alegria, mas também de dizer que precisamos de pautas livres para que a comunidade seja de fato respeitada”. O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Michael Farias Alencar Lima, também se referiu às iniciativas do Governo Municipal nessa área.
“Todo o governo entende a necessidade de nós visibilizarmos essa pauta, compreendendo que somos um governo para todas as pessoas dentro de um processo democrático. Reforçar a pauta dos direitos humanos é uma questão fundamental para nós garantirmos que a população LGBTQIAPN+ possa, cada vez mais, ampliar a sua participação na vida da comunidade, acessando direitos básicos que as políticas públicas precisam estar promovendo”, defendeu. Representando o Conselho Regional de Psicologia (CRP-03), as dirigentes do órgão, Priscila Barbosa Lins e Joice Pereira, deixaram claro que, para a categoria, não há lugar ampara profissionais que se baseiam em preconceitos. “O Conselho Federal e os conselhos regionais de todo o Brasil são contrários a qualquer prática discriminatória. A gente não trabalha com ‘cura gay’. E estamos aqui para informar que a psicologia tem que estar atuante no combate a qualquer forma de opressão e de discriminação”, garantiu Priscila.