Jeremias Macário | cenas de velórios e enterros

Foto: BLOG DO ANDERSON

Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor

Cada povo ou tribo tem seus rituais característicos nos funerais, desde a etapa do velório até o enterro e esses costumes são ancestrais, com suas origens nas primeiras civilizações, mas os comportamentos das pessoas são estranhos, falsos, hilários e dão belas matérias-primas, com todo respeito, para contos literários, peças teatrais, causos, programas humorísticos e até poesias. Mais uma vez aqui vou citar o meu pai, um homem rústico do campo que era um predestinado para acompanhar o doente terminal na cabeceira da cama com orações, seguir pelo velório, fazer o caixão do defunto (era lavrador, carpinteiro, marceneiro e até pedreiro) e só terminava no rito do enterro. Naquelas redondezas onde morava ele era a pessoa requisitada para esses serviços, sem nada ganhar. Perdia noites de sono depois de um cansativo dia de trabalho, Confira a crônica de Jeremias Macário de Oliveira.

Só para começar, os hábitos das pessoas da zona rural (pelos menos naqueles velhos tempos) têm pequenas nuances em relação aos velórios e enterros das cidades. Tem ainda o cerimonial do pobre e o do rico. Lembro na zona rural, ainda menino, por exemplo, que meu pai fazia o caixão com suas tábuas e na hora de fechar batia os pregos com martelo na cara do defunto. Se a pessoa não tivesse morrido em definitivo, era capaz de levantar do caixão ao ponto de colocar todo mundo em disparada correria.

No campo, as pessoas são mais simples, honestas, sem maldades e fingimentos, mas não faltam as ladainhas das rezadeiras, os choros, alguns histéricos, um café com biscoitos, cuscuz, canjica, bolos e claro, uma cachaça para esquentar o papo dos compadres e comadres e ter a disposição para correr quilômetros com o caixão para o enterro no povoado mais perto. São os momentos de muitas fofocas e prosear nas salas e nos terreiros.

No entanto, o que quero mesmo falar aqui é sobre os cenários esquisitos que se vê nos velórios e enterros. Ah, ia esquecendo, quando morria um rico ou um “coronel”, gente ruim, malvada, carrasco e malquista, a família contratava, em alguns lugares ainda se faz isso, as carpideiras, as mulheres que ganhavam para chorar pelo defunto, com direito a revezamentos. A mulher e os filhos nem se lamentavam com sua partida para o outro mundo.
Velório de pobre não tem gente de óculos escuros para fingir que derramou muitas lágrimas pelo falecido. No de rico, muitas pessoas chegam de óculos escuros falando baixo e dizendo para o outro: lá se foi uma grande figura, gente boa, generosa, honesta, de caráter, nem que não tenha essas qualidades. Para os parentes, minhas condolências, pêsames e sentimentos em voz bem emotiva.

Quando morre um idoso e a viúva é nova e bonitona, aparece um conquistador galã nos apertos acolchoados já de olho na dita cuja, mesmo garantindo que era muito amigo do defunto, que deixa de ter defeitos. Quando a família não é muito unida e existem brigas entre irmãos, um já olha para o outro como adversário na partilha dos bens e imaginando que não vai deixar ninguém passar a rasteira nele, mesmo que sejam poucos dotes. Em muitos casos acontecem até mortes. Os noticiários não negam.

O que mais aparece num velório e num enterro é a hipocrisia velada, aquela de doer na alma, cheia de elogios falsos e chama o falecido ou falecida de irmão e irmã queridos do coração. E quando o indivíduo tem amantes é um vexame só. A mulher abraça o ex no caixão copiosamente chorando. Às vezes, a viúva nem sabia do caso ou quando já tem conhecimento parte para os tapas, classificando a adversária de vagabunda, puta e vadia. É um escândalo só no meio do velório. Uns começam a discutir ali mesmo pela herança, sem nenhum escrúpulo.

É, meus amigos, cenas de velório e enterro merecem ser registradas na caneta, gravadas e filmadas no celular. Dão bons filmes e são pratos cheios para a literatura, até do cordel. E quando morre um famoso (a) ou uma celebridade? É onde tem mais gente de óculos escuros, com aquela empáfia. Coisa rara de se ouvir: já foi tarde, mas se escuta que os bons se vão logo e que os ruins são duros na queda.

As entrevistas são sempre as mesmas de que é uma grande perda, insubstituível na sua profissão, deixa um grande legado e nos ensinou muitas coisas como mestre das artes e da política. Só aparecem as qualidades, mesmo que seja um ou uma ranzinza, pedante ou metido (a) a besta, dono (a) da verdade. As palavras são quase as mesmas e as frases parecem ser decoradas, recheadas de bordões.


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