Atendimento médico em um bar, no fundo de uma igreja, na calçada. Postos de Saúde que desmoronaram, médicos que aparecem uma vez por mês ou nem isso. Este é o cenário da precariedade da saúde em quilombos de Vitória da Conquista, no interior da Bahia. Com a 10ª maior população quilombola do Brasil em números absolutos, segundo o último Censo do IBGE, o município tem 32 quilombos reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares e 12.057 habitantes autodeclarados quilombolas.No quilombo de Cachoeira das Araras, na região do Pradoso, o posto de saúde foi se deteriorando ao longo do tempo até ficar sem condições para atendimentos, segundo o líder comunitário Antônio Prado, 52. “Ninguém fez manutenção”. Após o prédio desabar, as consultas passaram a ocorrer nos fundos de uma igreja. Como ela começou a ser reformada, os atendimentos foram novamente remanejados. “Infelizmente, hoje o atendimento aqui é feito num boteco, numa venda de bebidas”, afirma Prado, enfatizando que o espaço cedido é uma área coberta do lado de fora do bar e que as consultas acontecem cerca de uma vez ao mês (ou até demoram mais).
No quilombo de Oiteiro, na região de José Gonçalves, a comunidade ainda tentou deixar o prédio do posto de saúde ativo. “Começou a ser feito em 2011 e não terminou até hoje. Quando estava quase pronto, teve a troca de prefeito. [Depois] começaram a atender dentro do posto sem terminar [a obra], sem água, sem nada”, diz o agricultor Valdenicio Gonçalves, 58, presidente da Associação Quilombola de Oiteiro e Território. A transição de governo aconteceu em 2016, quando Herzem Gusmão (MDB) assumiu a Prefeitura de Vitória da Conquista após 8 anos de gestão de Guilherme Menezes (PT). “Foi assim que a comunidade se uniu, fez uma caixa d’água no fundo e ligou a água. Passaram-se cerca de quatro anos, o prédio foi se deteriorando porque fica muito úmido quando chove.
As paredes ficaram inchadas, e o espaço foi invadido por pardais. A gente pediu forro e material para fechar as paredes, mas não entregaram”, afirma Valdenicio. Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde afirma que o posto de Oiteiro foi reformado em 2022 em parceria com a associação de moradores. O líder quilombola, porém, diz que o prédio do posto de saúde está há três anos sem atendimento médico e que as consultas acontecem na sede da associação do quilombo, descrito como um lugar quente e não apropriado para este fim. Segundo Valdenicio, dinheiro da associação foi usado para reformar o posto, e pedreiros que moram no quilombo ajudaram nas obras.
“Pedimos ajuda novamente [à Prefeitura] e eles mandaram blocos, areia e uns 15 sacos de cimento. Quando chegou no forro, pedimos [ajuda mais uma vez]. Já tem um ano que dizem que precisa de licitação”, afirma. Segundo o líder quilombola, é por isso que a sede do posto de saúde continua fechada. No quilombo de São Joaquim do Sertão, também na região do Pradoso, zona rural de Vitória da Conquista, a líder comunitária Natália Aparecida, 32, diz que o atendimento ocorre uma vez por mês. “Uma coisa que eu não esqueço, e queria esquecer, foi quando meu irmão passou no posto de saúde com sangue nas fezes e não foi atendido”, lembra. Presidente da associação do quilombo, ela conta que depois seu irmão foi levado a um hospital no centro urbano de Vitória da Conquista e recebeu o diagnóstico de câncer no intestino.
Natália diz que trabalhava como babá em uma casa na cidade, mas precisou abandonar o emprego para cuidar de William Ferreira, 38. Após a cirurgia para retirar o tumor, ele está em casa e usa uma bolsa de colostomia. Ela diz também que precisa ajudar a irmã com o sobrinho. A criança passou pelo posto aos 3 meses de idade, mas ninguém identificou a hidrocefalia. Meses depois a cabeça do bebê inchou e ele precisou ser internado. Assim como no caso do tio, também foi necessário se deslocar para um hospital na zona urbana. Na 3ª edição do material sobre a Política Nacional de Saúde da População Negra, o Ministério da Saúde traz estudos que explicitam “a posição desfavorável dos negros em diversos aspectos da saúde medidos pela PNS [Pesquisa Nacional de Saúde] e também por outras pesquisas e indicadores”.
De acordo com o documento, essa desigualdade se manifesta no acesso aos serviços, saúde da mulher, mortalidade materna, internamento e falta de medicações. No quilombo Lagoa de Maria Clemência, também na região de José Gonçalves, o posto de saúde funciona, apesar da falta de manutenção. Na avaliação da professora Janete Viana, os problemas na comunidade são iguais aos que ocorrem na saúde pública em geral. “Eu estou com o exame na mão e não consigo passar com o médico. Falei para a agente de saúde que estou com diabetes e ninguém está nem aí, tem quatro meses que os exames estão lá em casa. E não é culpa das agentes de saúde, elas colocam o nosso nome na lista, mas aí são seis meses, um ano, dois anos de espera”, diz. Procurada, a Secretaria de Saúde afirma que a marcação de exames é feita mediante a disponibilidade de vagas para cada tipo de procedimento. A pasta diz ainda que tem buscado negociar com seus prestadores de serviço para ampliar a oferta de exames e procedimentos à população. Em relação às consultas, a secretaria afirma que uma nova equipe de Saúde da Família tem prestado atendimento na região desde julho deste ano.