Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor
Tema de redação do vestibular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), em entrevista a um canal de televisão da cidade, o professor Adão Albuquerque deu uma aula ou uma lição para a própria mídia e até mesmo para nutricionistas que, em reportagens, recomendam que as pessoas mantenham uma alimentação saudável, quando esquecem das profundas desigualdades sociais existentes no Brasil. Até parece que aqui é uma Suíça Baiana, ou Brasileira! Só se for em Vitória da Conquista. Em meu blog www.aestrada.com.br, que eu o chamo de minha tribuna ou ágora, sempre tenho feito comentários dessa natureza quando assisto matérias sobre o assunto, mostrando o colorido das feiras onde o profissional fala das frutas, cereais, hortaliças e das verduras que mais devem ser consumidas, com base em seu teor de proteínas, vitaminas, ferro, zinco, potássio, fósforo e outras propriedades químicas que contém numa alimentação saudável. O pobre coitado deve imaginar que estão querendo gozar com a cara dele. Como o professor Adão, fico cá comigo a pensar quantos nesse Brasil do Mapa da Fome, de 30 milhões vivendo na pobreza entre a extrema e a aguda, dependentes de doações e do Bolsa Família, podem ter uma alimentação saudável, quando comem o que aparecer, e muitos que nem fazem um almoço ou uma janta? O tema da redação é para uma camada da elite de brasileiros que têm um bom poder aquisitivo de compra. Até a classe média baixa não tem condições de acompanha essa orientação. Confira a opinião de Jeremias Macário de Oliveira.
Como falar em alimentação saudável para um povo faminto, que vive em casebres e favelas, num amontoado de esgotos a céu aberto, que até há pouco tempo estava nas filas do osso e ainda milhares de moradores de rua que catam restos de comida no lixo? É até uma insensatez e um paradoxo que, infelizmente, a nossa mídia deixa de questionar. Trata-se de uma linguagem capitalista que afronta a nossa pobreza.
Ter uma alimentação saudável nos faz lembrar dos países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega, Reino Unido), da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. Do outro lado oposto carente, nos remete também ao continente africano, a América do Sul e algumas nações asiáticas que sofrem de grave deficiência alimentar, enquanto os ricos estão mais preocupados em fabricar armas para guerrear, navegar em iates luxuosos e em foguetes para conhecer o espaço sideral.
Além da questão social, no Brasil existe outra grande incoerência: Somos um país rico em alimentos, principalmente em grãos e carnes, mas destinados à exportação. O agronegócio empresarial dos desmatamentos não pensa em botar comida na mesa do brasileiro. Com suas máquinas potentes nos campos a perder de vista, cheios de agrotóxicos, seu esquema é lucrar em dólares.
A agricultura familiar, ainda pouco assistida, especialmente por causa da burocracia dos bancos privados e oficiais, ainda é o setor da produção agrícola que coloca o alimento em nossas mesas e bem mais saudável, inclusive orgânicos. Mesmo assim, só poucos são beneficiários e têm condições financeiras de acesso. Então, é difícil falar em alimentação saudável num país tão pobre e medíocre.
Outro problema similar à discussão em referência à redação do vestibular é quando a mídia aborda a questão da saúde no Brasil ao entrevistar médicos que falam da importância da prevenção em fazer exames rotineiros, no sentido de combater com antecedência doenças crônicas. Com o sistema precário do SUS que temos, somente poucos podem fazer regularmente esses procedimentos.
O acesso às novas tecnologias e às inovações na medicina é para uma minoria de abonados pertencentes às castas brasileiras que todos sabem quais são elas. Quantos pobres lutam na justiça para conseguir uma vaga de internação para fazer uma operação de média e alta complexidade? A Constituição do direito à saúde para todos só funciona na teoria.
Acho engraçado e até hilário, para não dizer uma piada, quando um jornalista ou um profissional da saúde manda que as pessoas procurem seu médico e não adquiram remédios nas farmácias sem receitas, como se cada um tivesse esse privilégio de ter um “doutor” para si. No SUS você marca um exame de tomografia ou mamografia, por exemplo, e passa mais de um ano na fila de espera.
Vamos mostrar a realidade como ela é, parodiando o nosso dramaturgo Nelson Rodrigues (A vida como ela é), do complexo de vira lata, e não ficarmos enganando, fazendo um jornalismo burguês num país de tantas desigualdades sociais, de violações dos direitos humanos, de tantas injustiças, falsidades, mentiras políticas e mediocridades. Alimentação saudável para quem? Só se for para os mesmos de sempre.