Dirlêi Andrade Bonfim | o Carnaval e o Anarquismo

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Dirlêi Andrade Bonfim | professor

Ao iniciar esse ensaio, estava aqui fazendo uma releitura da última edição do Livro do Professor Roberto DaMatta, acerca do carnaval, bem como, todas as relações sociais, representativas, culturais, políticas, recreativas e simbólicas, que esta festa nos apresenta. O Carnaval é sem dúvida uma das maiores festas populares do mundo. Um evento que leva às ruas todas as manifestações de todas as classes, cores e raças, todos os credos, misticismos, utopias, valores, motivos e compreensões pela diversidade que os desfiles se apresentam nas ruas das cidades brasileiras, cada uma das pessoas com a sua forma e maneira peculiar de se manifestar. Na busca de uma alegria coletiva, um prazer da carne, quiça imaterial, espiritual, que se compartilha e é compartilhado por multidões em todas as praças e avenidas pelas cidades afora. Confira o Ensaio do professor Dirlêi Andrade Bonfim.

 

Sobre a origem do Carnaval, segundo o Professor Meuli, filólogo suíço Karl Meuli(1971), palavra Carnaval deriva da palavra italiana Carnavale, mas explicações linguísticas, mitológicas e etimológicas são mais amplas e diversas. Que vão desde as festas pagãs do Sec. V, A/C, passando pelas festas e comemorações advindas para além do iluminismo, até os nossos dias, naquilo que cada sociedade compreende e se manifesta através dos encontros e das festas populares. O Professor Meuli lembra que já se pensou que “carnaval” derivaria, ou do carus navalis (carruagem naval), do deus grego Dionísio em Atenas, ou até mesmo do navio da deusa egípcia Ísis. Mas para o etimólogo suíço, foram Merlo e Wartburg os linguistas quem demonstraram de modo irrefutável “que a palavra [carnaval] se refere ao início dos quarenta dias de jejum, não no sentido de carne, vale! — Carne, adeus! –, mas no sentido de carnem levare, ‘trazer, retirar a carne da mesa’ (Roma, século XIII: carnelevarium; Milão, século XIV: carnelevamen)”. O Carnaval no Brasil, há quem diga que o ano realmente só começa após essa data, que é uma cultura enraizada no nosso país. Há pessoas físicas e jurídicas, que trabalham o ano inteiro para a concepção e construção das fantasias e alegorias, bem como, os Foliões, que muitas vezes pagam seus carnês, durante um ano inteiro para garantir sua participação no desfile em alguma Escola e ou Bloco de Trio Elétrico. Ela é uma data transitória que arrasta multidões pelo Brasil e costuma parar as cidades. O Carnaval é uma data tão presente na cultura brasileira que a sociedade já conta e espera por essa data. Como sabemos, o carnaval não é produto do pensamento moderno. Ele já existia até na Idade Média e nas sociedades Medievais, portanto, não é algo tão novo e moderno. Como se dá a realização dessa festa? Aí perpassa por todo um processo de planejamento invejável até para as grandes corporações, voltados e pautados pelo resultado/lucro, expressão maior do mundo capitalista, que transforma tudo em mercadoria. Há ainda, aqueles que classificam como a indústria do carnaval, que vai gerar muito turismo, emprego e renda e claro, vai trazer consigo todos os desdobramentos de uma festa com essa dimensão. (tudo demais, muito sexo, diversão, droga, crimes de toda natureza, consumo, e consumo). Por vezes, somos induzidos a pensar nessa festa, apenas como o desfile de escolas de samba e trios elétricos com os patrocínios públicos e privados, do estado, das cervejarias, emissoras de rádio e tvs e outras empresas capitalistas que estão visando nele apenas o lucro. Será o carnaval aquele que é televisionado nas ruas de cidades como Salvador, Rio e outros Estados do Brasil onde você tem que comprar uma fantasia qualquer ou abadá para festejar? E assim, alimentar essa tal indústria do Carnaval, será que é só isso? Numa sociedade de aparências, hipocrisias, fantasias, mentiras e simbolismos, tudo isso está muito bem representado nas Avenidas, ou para além delas. O Capitalismo faz tudo que o interessa “permitido ou não” em prol do Lucro e da sua acumulação. É lógico que o capital sempre se apropria de “produtos” em transformar o carnaval em mais um produto de consumo para potencializar os Lucros. Mas, existem outras formas de fazer a festa (o carnaval), com a participação popular de forma mais simples e barata. Segundo o Professor DaMatta (1997), no seu clássico: Carnavais, Malandros e Heróis, em que  traça relações entre o carnaval, a religiosidade e a hierarquização da sociedade. Ressalta as inversões e entrelaçamentos entre as classes sociais e gêneros durante a festa e analisa, o “politicamente correto” em uma festa pautada pela irreverência. O antropólogo comenta, ainda, se o país tão marcado por tragédias e notícias ruins, deveria interromper os festejos carnavalescos. Mas, ao mesmo tempo, pondera que o Carnaval, na verdade, é o momento do encontro, entre os amigos, família, momento também da reflexão e extravasamento de todas as angústias do dia a dia, bem como, a crítica sobre o cotidiano das mazelas na política partidária, inclusive com a encenação e execração das personagens tortas e tortuosas no mundo político. Assim, como a tradição da queima do Judas, todos os anos no (sábado de Aleluia), para os dias de Carnaval, há sempre os blocos com muita criatividade e irreverência para a crítica aberta e a execração pública aos mal feitores do mundo político, por toda a patifaria, corrupção, incompetências, crimes e malversação, que os seus atos desumanos, causam de dores e sofrimentos às sociedades. Segundo D. Hélder Câmara (1975), o “Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de amor por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho e alegria na realidade dura da vida!O pensamento anarquista surgiu com as ideias do político e filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Membro do Parlamento francês, durante certo tempo, e oriundo de uma família de pequenos burgueses, Proudhon criticou severamente a presença do Estado nas organizações políticas e a aquisição da propriedade privada.

“Segundo o francês, a propriedade privada, símbolo maior do capitalismo, era o maior motivo da desgraça humana” e o Estado era apenas um aparato repressor criado para controlar a vida das pessoas e mantê-las presas à lógica capitalista. Outro grande pensador do anarquismo foi o teórico político russo Mikhail Bakunin (1814-1876). Bakunin conheceu os ideais de Proudhon e o socialismo científico de Marx e Engels. Ele divergiu dos teóricos comunistas, em especial, na questão da presença do Estado nas revoluções populares, e também elevou a um grau mais radical as ideias do francês Proudhon, bem como, de outros pensadores. Para Bakunin(1852), “era necessária uma revolução sangrenta, a partir de ações práticas e fortes que derrubassem de vez o Estado e implantassem um sistema político democrático direto, livre, autônomo, baseado na autogestão e sem figuras de lideranças políticas.” Por que muitos, tentam classificar as atividades e manifestações do carnaval como manifestações do anarquismo? Primeiro, por ter havido ao longo dos anos, uma desconstrução do vocábulo: real significado de Anarquismo substantivo masculino[Política] Teoria política que afirma ser a sociedade uma instituição independente do poder do Estado; teoria social e política que não aceita a submissão da sociedade aos poderes governamentais e/ou à autoridade do Estado. O anarquismo tem como princípio básico a autogestão democrática da política, ou seja, no sistema anarquista não existe governo, não existe Estado, não existem lideranças, não existem instituições econômicas, e a lei é criada e exercida pela participação de toda a população. O anarquismo prega a valorização da liberdade individual, a partir da extinção do capitalismo e das instituições estatais, por isso é chamado também de comunismo libertário. Para os anarquistas, não deve haver qualquer tipo de força repressora da liberdade humana, assim o Estado deve ser extinto. O ser humano deve ter o princípio da liberdade como força motriz de sua ação, pois na visão anarquista, se todos têm as mesmas condições socioeconômicas e submetem-se às mesmas condições legais autogestionárias (submetem-se a uma lei comum que não privilegia uns e absolve outros e não têm como figura central as instituições), as ações contra o bem comum desaparecerão. O princípio da liberdade anarquista é elevado ao máximo, ao concluir que o ser humano deve ter total direção e controle de sua vidaindividual, desde que não interfira na vida alheia. Dessa forma, os anarquistas veem a maioria das leis como artifícios de controle que apenas mantêm as pessoas conformadas com a ordem vigente, pois temem serem punidas, com base nas leis, constituições e regulamentos”. Na Etimologia (origem da palavra anarquismo). Anarquia + ismo. O anarquismo critica principalmente exploração econômica do sistema capitalista e o que chama de dominação político-burocrática e da coação física do Estado. Os anarquistas não buscam uma revolução política, mas uma revolução social. O pilar mais conhecido da teoria anarquista é a crítica ao Estado e a crença em um território baseado na autogovernança. A crítica se estende a todo e qualquer tipo de sistema em que há Estado, dos que agem com intervenção mínima à máxima, dos mais autoritários aos mais liberais. Do ponto de vista histórico e científico: “Na visão anarquista todo e qualquer governo tinha como fim último legitimar uma nova classe no poder e cercear as liberdades individuais. Por isso, a Ditadura do Proletariado era vista pelo ideal anarquista enquanto uma mera reprodução dos Estados Liberal-Burguês ou Absolutista.” Sem a figura opressora do Estado, potencialização das liberdades, conquista da autogestão, uma sociedade livre, ética, respeitosa e responsável para decidir de forma civilizada, educada, consciente e qualificada o melhor para toda a coletividade”. Por isso mesmo, ainda num processo de Utopia… Do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe, ou a se alcançar um lugar do esplendor”. No sentido geral, o termo é usado para denominar construções imaginárias de sociedades perfeitas, conforme os princípios filosóficos de seus idealizadores. Na visão de M.Bakunin(1855), vai afirmar: “Só serei verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres, de modo que quanto mais numerosos forem os homens livres que me rodeiam e quanto mais profunda e maior for a sua liberdade, tanto mais vasta, mais profunda e maior será a minha liberdade, quanto maior a liberdade, igualdade, consciência ética, fraternidade, mais possibilidade de uma sociedade altiva, independente, livre e justa”. Segundo Proudhon (1862), “Ser governado significa ser observado, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, cercado, doutrinado, admoestado, controlado, avaliado, censurado, comandado; e por criaturas que para isso não tem o direito, nem a sabedoria, nem a virtude… Oh personalidade humana! Como pudeste te curvar à tamanha sujeição durante sessenta séculos? Não compreendeu ainda, que a liberdade, igualdade, autonomia, ética, intelectualidade, são fontes da dignidade humana…?  O que fazes, que ainda se-submete a tanta opressão”…? Segundo Malatesta (1897), “Anarquista é, por definição, aquele que não quer ser oprimido, nem deseja ser opressor; é aquele que deseja o máximo bem-estar, a máxima liberdade, o máximo desenvolvimento possível para todos os seres humanos, de forma solidária, fraterna e justa”. A partir de Paul Feyerabend (1949), que vai representar a radicalização sobre os fundamentos da ciência. Ele postula que a ciência é uma atividade metodologicamente anárquica e que é apenas um dos modos de vida possíveis. Isto porque há vários fatores que determinam o desenvolvimento científico, desde a metafísica até a política e a economia.Ainda, segundo Feyerabend (1955), a ciência, assim como a religião, foi imposta pela cultura ocidental de forma unilateral. Assim, nos faz crer, num sentido maior e mais profundo, quanto a relação de liberdade da sociedade, na “festa carnavalesca”, do mesmo modo que ocorre em rituais religiosos, seja católico, ou não, suspende as ordens hierárquicas, provocando verdadeira contraposição não apenas da temporalidade, mas também da estrutura de poder normativa que o cotidiano estabelece. E isso está relacionado com aquela “anarquia legal”. A analogia entre carnaval e o anarquismo, que se coloca, pela forma em que a liberdade é pensada e exercida de forma possível, não integral, mas com toda potência peculiar das manifestações mais legítimas advindas do povo. E isso nos remete a imaginar uma sociedade com amplo poder de liberdade e autonomia, autogestora, senhora dos seus rumos e percursos, o povo/sociedade integralmente livre, organizado e senhor de si, sem as amarras, a vigilância e a opressão do estado, com todo o seu aparato e despotismo autocrático, presente em qualquer regime político e ou modelo existente.

*contribuição do Professor DsC. Dirlêi A BonfimDoutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental,  Professor de Sociologia da SEC/BA**E no Curso/Plano de Formação Continuada SEC/IAT/BA.*02/2024.1**


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