Jeremias Macário de Oliveira | jornalista e escritor
O seis de maio de 1964 foi o episódio mais marcante na história de Vitória da Conquista quando as tropas de 100 soldados do capitão Antônio Bendochi Alves Filho, com três jipes, quatro caçambas e um ônibus particular, cercaram a cidade de pouco mais de 50 mil habitantes (Praça Barão do Rio Branco e adjacências) e cassaram, na base dos fuzis e metralhadoras, o mandado constitucional do prefeito José Pedral Sampaio, eleito pelo povo em 1962 e empossado em sete de abril do ano seguinte. Era o início da ditadura civil-militar-burguesa de 1º de abril de 1964 e, infelizmente, poucos conquistenses têm conhecimento desse fato opressor e arbitrário que merece ser lembrado e discutido como o dia em que Conquista foi cassada e amordaça pelos coturnos militares, quando cerca de 100 pessoas foram presas como subversivas e comunistas, muitas das quais levadas para Salvador. Foi o dia do terror e do desespero, com muita gente fugindo e queimando livros e documentos.
Conquista, juntamente com Feira de Santana (Chico Pinto) e Alagoinhas (Murilo Cavalcante), era a cidade mais visada na Bahia por expressar suas ideias socialistas de mudanças, sob a liderança de Pedral que quebrou uma hegemonia política oligarca de quase cem anos dos coronéis e intendentes. Conquista foi uma trincheira de resistência ao regime ditatorial e pagou um alto preço por isso.
Esse tema foi colocado em pauta pelo “Sarau A Estrada”, premiado com o troféu Glauber Rocha pelos seus 14 anos de existência, no último sábado (27), no Espaço Cultural do mesmo nome, quando debatemos o pedralismo, sua disputa eleitoral em 1958 contra Gerson Sales, sua derrota e, finalmente, sua vitória em 1962 para o candidato Jesus Gomes dos Santos, derrubando as elites. Foram cenas memoráveis de resistência. Foi um divisor de águas na história de Conquista que deve ser lembrado pela mídia, pelos estudantes, artistas, intelectuais e pelas instituições democráticas em geral, segundo o palestrante do evento, jornalista e escritor Jeremias Macário. Os trabalhos foram abertos pelo professor Itamar Aguiar que destacou a importância dessa data de seis de maio de 1964, quando, numa frienta noite, a Câmara Municipal foi cercada pelas tropas e os vereadores foram obrigados a votar pelo impedimento do prefeito, preso no 9º Batalhão da Polícia Militar, de continuar a exercer o seu legítimo mandado. >>>>>
Macário, que escreveu o livro “Uma Conquista Cassada”, explicou todo processo do pedralismo desde meados dos anos 50, um jovem, saído de dentro da oligarquia (neto do coronel Gugé), formado em engenharia civil pela Universidade Federal da Bahia, que retornou a Conquista com suas ideias socialistas em defesa dos mais pobres, apoiando as reformas de base (nacionalização dos bancos, remessa de lucros para o exterior e a reforma agrária) do governo João Goulart, o Jango.
Por suas mudanças revolucionárias estava na lista das forças armadas que contaram com a delação de traidores da direita (não premiada), como Irís da Silveira, Ismênio da Silveira, Pedro Lopes Ferraz, do jornal “O Sertanejo” (Sertanojo), o pastor Valdomiro Oliveira, o vereador Altamirando Novais e tantos outros da elite burguesa que quiseram se vingar e não aceitavam a derrota de 1962. Foi um ato de vingança dos desesperados que foram à desforra.
Os primeiros atos de Pedral em seu único ano de governo foi resolver os principais problemas de Conquista relacionados com a falta de água, energia (racionamento por bairros) e saneamento básico, sem falar na questão da educação. Por isso foi a Brasília na busca desses pleitos. Trouxe a Conquista o presidente Jango, durante a VIII Exposição Agropecuária, de 26 a 30 de maio, quando nesse período o governador Lomanto Junior instalou seu governo por quatro dias na cidade, com todo seu secretariado.
Pedral, com seus 35 anos, o prefeito mais jovem que Conquista já teve, tentou ainda melhorar a educação. Para tanto, esteve em Pernambuco, uma referência no setor, conversando com o governador Miguel Arraes e seus assessores, para aqui implantar os mesmos métodos de ensino que lá estavam dando certo. Durante seu breve período na prefeitura e bem antes de se eleger, Pedral, do PSD, contava com o apoio dos estudantes, professores, sindicatos (bancários, comerciários e dos trabalhadores da construção civil) e até de parte da direita integralista. Ainda estudante esteve no Rio Grande do Sul conversando com o deputado Leonel Brizola.
Todos estavam na lista do comandante Bendochi no IPM (Inquérito Policial Militar) e foram presos o produtor cultural Vicente Quadros, o menino de menor Cláudio Fonseca, irmão de Pedra, Anfilófio, Paulo Demócrito, João Idelfonso, Hugo de Castro Lima (médico legista), Raul Ferral (prefeito em 1977), Camilo de Jesus Lima (poeta e escritor), Osvaldo Ribeiro (presidente do grêmio da Escola Normal que fugiu para Minas Gerais), vereador Péricles Gusmão Régis, Franklin Ferraz, Hemetério Pereira. Antenor Rodrigues Lima, o “Badu”, Flávio Viana de Jesus, (marceneiro), Alcides Araújo (comerciário), Aníbal Lopes Viana (jornalista do jornal “A Conquista”), Jackson Fonseca (rádio técnico), Lúcio Flávio Viana (bancário), Érico Gonçalves Aguiar (agricultor), Galdino Lourenço (motorista), Reginaldo Carvalho Santos (diretor do jornal “O Combate” de linha esquerdista), Altino Pereira (sindicato da construção civil), Raimundo Pinto (comerciante), o professor Everardo Públio de Casto, que ficou 11 meses preso em Salvador, tido como o mais “perigoso” comunista e tantos outros considerados subversivos.
Toda essa arbitrariedade de inquéritos e torturas psicológicas de ameaças de levar os presos para a ilha de Fernando de Noronha, culminou com a morte, no dia 12 de maio, do vereador Péricles Gusmão, líder do prefeito na Câmara, pessoa íntegra e que não aceitava humilhação. Nas dependências do Batalhão, o comando anunciou que o preso se suicidou com a gilete de barbear, mas até hoje fica a dúvida de ter sido matado pelos militares. Na véspera, por não suportar o inquérito, chegou a entrar em luta corporal com Bendochi.
Com cortes na carótida e nos pulsos e por outros indícios, até hoje o advogado Rui Medeiros – defensor da família para ser indenizada pelo Estado – não acredita que Péricles tenha cometido suicídio. De qualquer forma, foi a primeira morte da ditadura na Bahia e talvez no Brasil. Pelos acontecimentos e pelas cenas de resistência ao regime, inclusive perpetrado por um grupo de mulheres, lideradas por Olívia Flores, para reverter a cassação do prefeito Pedral, é que o seis de maio não deve ser esquecido, mas lembrado e debatido por toda sociedade conquistense.
Além da sua estúpida prisão, Pedral teve seus direitos políticos cassados por 10 anos pelo AI-1 e estendido por mais 10 anos pelo AI-2. Mesmo assim, ele continuou fazendo política e militando nos bastidores até que voltou a ser eleito prefeito em 1982, sendo cogitado a se candidatar a governador. Conquista permaneceu exercendo sua resistência e ainda teve como prefeito Gilberto Quadros, golpeado pela ditadura, Jadiel Matos, em 1973, apoiando por Pedral, Raul Ferral, em 1977, Murilo Mármore, em 1988 e, novamente, Pedral, em 1992.
Esses assuntos e outros foram debatidos pelo “Sarau A Estrada”, na última noite de sábado, seguidos de cantorias de violas por Manno Di Souza, Marta Moreno, Jurandir, seu Armando e sua esposa, causos de Jhesus, de Jessier Quirino, e muitas declamações de poemas (Jeremias, Liu e demais participantes). Uma galinhada caipira, preparada pela anfitriã Vandilza Gonçalves, vinho e umas geladas cervejas esquentaram a noite, num papo fraternal e descontraído de sempre, Foi mais um Sarau de troca de ideias, conhecimento e saber que varou a madrugada.