Ruy Medeiros | há 40 anos, quando os jovens eram jovens

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Ruy Medeiros | advogado e historiador

A Luciano Melo, in memoriam

Não se deve esquecer. Há quarenta anos aconteceu, em Vitória da Conquista, um dos maiores eventos estudantis do Brasil.  Foi o quinto Conselho Nacional de Entidades de Base da UNE (V CONEB), que tomou o nome de CONEB Luciano Melo. Já em 25 de junho de 1984, a Tribuna da Bahia informava: “Vitória da Conquista – congresso estudantil confirmado para julho. Vitória da Conquista será palco, no final do mês de julho do Congresso dos Conselhos Estaduais de Estudantes do Brasil. Na oportunidade se reunirão nessa cidade mais de mil estudantes vindos de todos os estados brasileiros que aqui discutirão questões relacionadas com a organização do próximo congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes”. A nota segue com outras informações. Leia a íntegra.

Realmente, o CONEB Luciano Melo ocorreu entre os dias 3 a 5 de agosto, no ginásio de esportes Raul Ferraz. Por ele transitaram cerca de 2000 pessoas. Em seu balanço final, os dirigentes anunciaram a presença de mais de 600 delegados, representando escolas e faculdades do país, e mais de 800 participantes.
O país vivia um tempo de disputa. Após a conquista da anistia política (que adotou o viés de reciprocidade para livrar de punições torturadores e assassinos), limitada, o país livrara- se do bipartidarismo obrigatório, abrindo caminho para outros partidos; a UNE, em grande Congresso, em Salvador, já havia ressurgido; a grande campanha por eleições diretas para Presidente da República não conseguira aprovar Emenda Constitucional para isso (apesar mesmo de obter 55 votos do partido situacionista); greves já haviam suplantado lei que as proibia, mas ainda se vivia sob ditadura (reciclada com a expressão de “abertura”, sob o General João Batista Figueiredo). A sucessão desse deveria ocorrer (como ocorreu), num Colégio Eleitoral (eleição indireta pelo Congresso); as Universidades Públicas viviam em difícil situação financeira; as escolas privadas haviam imposto aumento considerado exorbitante. Assim, o CONEB Luciano Melo foi fortemente político, como haviam sido os congressos anteriores da União Nacional dos Estudantes.

Os contatos iniciais para a realização do V CONEB Luciano Melo em V. Conquista foram feitos pelo representante da UEB -União dos Estudantes da Bahia, Sidônio Palmeira, com o então prefeito, José Pedral. Em 26 de junho, ficou confirmado entre o Prefeito Municipal, representante da UEB e representantes da UNE do Rio de Janeiro e São Paulo, que o Município cederia o ginásio de esportes para realização do Evento e providenciaria acomodação dos estudantes.
V Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB Luciano Melo), foi aberto pelo presidente da UNE, Alcindo Pae, que transferiu a palavra ao prefeito, José Pedral, que manifestou-se, nos termos de nota distribuída, que tem as seguintes palavras iniciais: “Vitória da Conquista recebe-os de braços abertos, por reconhecer a UNE como a legitima representante dos estudantes brasileiros./Cidade oposicionista, longa e duramente dedicada à luta contra as forças mais fortemente repressoras da ditadura em toda a Federação Brasileira, Conquista orgulha-se de sua opção política e mantém alevantados seus propósitos de humanizar e democratizar este país, fazendo de nosso Brasil a pátria de todos os brasileiros”. A nota continua com menção ao apoio dado ao CONEB pela Prefeitura Municipal.

Ao lado de questões referentes ao mundo estudantil, o V CONEB, discutiu sobre a conjuntura política nacional, com grande polarização entre as propostas de apoiar a eleição a Presidente da República de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, ou persistir na campanha pelas eleições diretas.

Impressos distribuídos por diversas tendências políticas, (caminhando, alicerce, centelha, viração), entre os estudantes davam o tom dos debates, em seus títulos: “1964 – vinte anos de luta contra o regime militar – combater o Colégio da ditadura e o candidato da conciliação”; “A vontade do povo pode e deve ser respeitada – Que o Congresso se reúna e convoque as Diretas – já”; “candidato único para enfrentar o regime”; “candidato único das oposições para por fim ao Regime Militar”, “Fora Maluf! Tancredo pra Mudar!” “candidato único x regime militar”; “Anarquia já, ditadura não”; “Nem Maluf, nem Tancredo. Fora os candidatos dos patrões”. (Sobre essa questão, o CONEB decidia contestar o colégio Eleitoral e continuar a luta pelas Diretas já)

Na resolução final, os estudantes aprovaram, a defesa de ensino público e gratuito para todos, destinação de 13% do orçamento nacional para a educação, convocação de uma constituinte livre e soberana, eleições diretas em todos os níveis, suspensão imediata do pagamento da dívida externa, medidas para solucionar a crise do país (dentre as quais congelamento dos preços dos gêneros alimentícios e reaquecimento da economia), democratização da Universidade, legalização da UNE, aumento de verbas para a Universidade, adoção de plano de emergência para o ensino brasileiro.
O CONEB Luciano Melo atraiu o apoio de políticos, partidos e entidades atuantes em V. Conquista. Notaram-se presença de Jose Pedral, Armênio Souza Santos, (secretário de saúde), Luís Nova, Elquisson Soares, Raul Ferraz (deputados), representantes do PT, PMDB, PCdoB, sindicato dos Bancários, Associação de Médicos Residentes da Bahia, vereadores, etc.

O homenageado, Luciano Melo, um dos mais expressivos líderes estudantis do Brasil, na Bahia, já não vivia. Profunda dor fizera com que ele se lançasse da altura do apartamento onde residia e mergulhasse no espaço para, num instante, encontrar o calçamento da rua. Ficou memorável por sua luta pela igualdade e liberdade. E, continua jovem na história. Outros o sucederam, mas sua ausência marcou profundamente aqueles que o conheceram.


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