Opinião: A Democracia e o voto obrigatório

Foto: BLOG DO ANDERSON
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Natanael Oliveira do Carmo | Advogado | [email protected]

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo primeiro, caput, afirma que o Brasil é um “Estado Democrático de Direito”, o que nos faz crer que somos regidos por um sistema de governo democrático, onde as liberdades fundamentais dos cidadãos são garantidas e respeitadas. A uma ligeira análise do que acontece à nossa volta, percebemos que na prática não é bem assim. Aliás, estamos muito longe disso. É bem verdade que já foi pior ― muito pior ―, mas esta óbvia constatação não deve servir de justificativa para nossa acomodação. Aliás, os acontecimentos político/jurídicos recentes nos dão conta de que ainda temos que trilhar uma longa estrada até construirmos em nosso país uma democracia que faça jus ao nome. Leia na íntegra >>>>>

Bem, mas o que queremos mesmo nestas parcas linhas é fazer um comentário sobre o exercício do voto. O voto aparece na Constituição Federal no artigo 14, da seguinte forma:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

  • 1º O alistamento eleitoral e o voto são:

I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II – facultativos para:

  1. a) os analfabetos;
  2. b) os maiores de setenta anos;
  3. c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

O que de fato nos atrai a atenção neste artigo é o § 1º e seu inciso I: § 1º O alistamento eleitoral e o voto são: I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos. Parece-nos que este parágrafo e inciso da Constituição são paradoxais, apresentam uma tremenda contradição com o conceito de Estado Democrático de Direito. Pergunto: qual a relação que pode haver entre democracia e voto obrigatório? Não soa estranho? O exercício do voto no Brasil, ao invés de ser um direito, como apregoam os políticos, o governo, os tribunais eleitorais, os três poderes, enfim, não passa de uma obrigação imposta aos cidadãos alfabetizados com idade entre os dezoito e os setenta anos. As punições infligidas aos desobedientes são variadas e pesadas. Quem não vota nem se justifica por não fazê-lo fica impedido de se inscrever em concurso público e, caso já o tenha feito, fica impedido de tomar posse do cargo público. Também não pode se matricular em faculdade pública e, se já estiver matriculado, não poderá renovar a matrícula. Empréstimo em banco oficial, nem pensar. Pior, se o sujeito não vota nem justifica o não votar, não pode tirar carteira de identidade e nem passaporte. E não pára por aí. Tem mais coisa. O sujeito fica impedido de participar de concorrência pública ou administrativa. E se for servidor público? Além de tudo isso, fica sem receber seus vencimentos. Mas tem jeito: o eleitor infrator pode se redimir pagando uma multa ao Estado Brasileiro. O juiz eleitoral aplica a multa, cujo valor pode variar de R$ 1,05 a R$ 3,51 por turno de eleição, podendo atingir o importe de R$ 35,14, a depender da situação econômica do eleitor, aferida pelo juiz. Pagando a multa até 60 dias após o pleito em que esteve ausente, o eleitor (oh, glória!) poderá voltar a exercer os seus direitos civis/políticos então cerceados.

Fico estarrecido com tanta democracia!

Mas vamos lá: uma entidade denominada “Movimento Voto Livre, Facultativo e Consciente” fez um levantamento e concluiu que o voto é facultativo em 205 países e obrigatório em apenas 24. Só para exemplificar, o voto é facultativo não apenas em países como Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha, mas também na Colômbia, Jamaica, Nicarágua, Áustria, Chile, Holanda, Portugal, México, Índia… e a maior concentração de países onde o voto é obrigatório é justamente na América Latina. Por que será?

O Brasil é atualmente a nona economia do mundo e há uma projeção de que em 2017 salte para a oitava posição. Entre as quinze maiores economias do planeta (países com PIB acima de um trilhão de dólares), o Brasil é o único país onde o voto é obrigatório. Ora, isto é um atentado à democracia. A campanha do TSE conclamando as pessoas a exercerem seu “direito” de votar é demagógica e soa profundamente falsa. Os defensores dessa aberração inventaram um conceito furado de que o voto é um “direito-obrigação”. Cá entre nós, não dá pra engolir essas coisas. Ou o voto é um direito, ou é uma obrigação. Nas democracias consolidadas do planeta, é um direito; no Brasil, não passa de uma obrigação. Nada mais que isso!

E por que, então, não se abole a obrigatoriedade do voto por aqui? Óbice constitucional não há, pois a Constituição, em seu artigo 60, § 4º, inciso II, apenas reserva como cláusula pétrea (que não pode ser modificada) o voto direto, secreto, universal e periódico. O voto obrigatório pode ser abolido a qualquer momento, por meio de emenda constitucional. Só não o foi ― e ninguém sabe se um dia o será ― porque não interessa aos beneficiários diretos do voto ― adivinha quem?

Provavelmente, você não sabe ― acabei de descobrir ― mas, nas eleições presidenciais de 1998, a soma do número de votos brancos e nulos foi maior do que o número de votos de Fernando Henrique Cardoso, o presidente reeleito naquela ocasião (emenda da reeleição, outra picaretagem!). Isto é um relevante sinal de que, a despeito da truculência legal, oficial, sobre o eleitor, surrupiando-lhe direitos legítimos quando este deixa de votar e não justifica sua abstenção, o brasileiro vem, discretamente, demonstrando sua insatisfação com um modelo arcaico, ultrapassado, casuístico, detestável, incompatível com a democracia e que, no final das contas, em nada contribui para melhorar o sistema eleitoral ou a qualidade dos políticos brasileiros, muito pelo contrário.///

Alguns sites consultados:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

https://livrevozdopovo.blogspot.com.br/2012/07/conhecam-os-paises-que-adotam-o-voto.html#.V_bve_IrLIU

https://pt.wikipedia.org/wiki/Voto_compuls%C3%B3rio

http://direito.folha.uol.com.br/blog/voto-obrigatrio-no-mundo

http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/homero_costa/homero_025_em_defesa_do_voto_facultativo.pdf

*Natanael Oliveira do Carmo é Advogado, escritor, membro licenciado da Academia Conquistense de Letras e Mestrando em Memória: Linguagem e Sociedade, pela UESB.

 


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