Por Marco Antônio Jardim
Acordei. O toque de alvorada me tirou de um sonho luminoso. Nem por isso estava sobressaltado. O cômodo, gentilmente emprestado a mim por Ana Clarinha, era de um tal silêncio de ouro que esfreguei os olhos pacientemente, antes de encarar a luz da manhã que invadia o quarto pelas cortinas em tom de bege. Das fisgas de luz na janela do nono andar do Casablanca, o céu manipulado do Rio. Azul, com um clarão de espanto tão intenso que parecia puro, não real. Deitado, no tempo destes poucos dias demorados, posso concordar que, sim, a solidão é azul, tal qual a tela de minha mãe, em cena de rua, com arvoredo basto como as de Niterói, mas com o solo cheio de neve. Ou azul ultramarino, como o da mulher que lê uma carta no célebre quadro de Vermeer. No quarto, até o fogo silenciaria. Levantei para me acostumar ao dia. Dessa vez, como de costume em todo o ano, o som irritante do despertador não precisou ser ativado. Despertei os sentimentos. Coloquei “Warrant”, do Foster The People, pra tocar baixinho. Na sacada, acima do movimento da Gavião Peixoto, o reflexo do sol em minhas mãos. Eu parecia, não pálido, mas caucásico, límpido e jovem no Rio. Meu rosto, com os olhos ainda semicerrados, parecia mais belo, como que visto sob a névoa ensolarada do avião.