Vitória da Conquista, no interior da Bahia, é o primeiro município do Brasil a contar com um programa de Escuta Protegida voltado ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Desenvolvido com apoio da Childhood Brasil e do UNICEF [Fundo das Nações Unidas para a Infância], o projeto oferece espaço e profissionais treinados para tornar os depoimentos de menores de idade menos revitimizantes. O Município de Vitória da Conquista, que está sob o comando de Ana Sheila Lemos Andrade, investiu R$ 1,5 milhão na construção do Complexo de Escuta Protegida de Vitória da Conquista, que também recebeu capital das duas entidades que o apoiam. Inaugurado em outubro de 2021, o local começou a colher depoimentos em outubro do mesmo ano. Até hoje, já foram realizadas mais de cem audiências. Quando uma criança presencia ou sofre uma violência, além da dor e do sofrimento causados pelo ato criminoso, ela ‘revive’ o acontecimento e é vitimizada outras vezes, quando tem de relatar o ocorrido em uma série de depoimentos, para a Polícia, Ministério Público, Judiciáiro. A revitimização é, portanto, causada por instâncias formais que controlam o âmbito social. Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público, ela abrange os custos pessoais derivados da intervenção do sistema legal, que podem aumentar o sofrimento da vítima. Evitar a revitimização de crianças e adolescentes, com a criação de ambientes e processos de escuta protegida, é uma das ações previstas na Lei 13.431, de 2017, que obriga o governo federal, os estados e os municípios a desenvolverem políticas de proteção a menores de idade, de modo integrado e coordenado. O Complexo de Escuta Protegida de Vitória da Conquista foi criado para atender às regras dessa lei, oferecendo uma ambiente seguro para meninas e meninos vítimas ou testemunhas de violência serem ouvidos sobre a agressão sofrida, uma única vez e de forma atenta e cuidadosa. Quando há alguma suspeita ou ocorrência de ato de violência contra um criança, o órgão que faz o primeiro atendimento, que pode ser um serviço de saúde, o Conselho Tutelar ou delegacia, entre outros, encaminha o menor para ser ouvido no Complexo.
Lá, a criança é recebida em um ambiente lúdico, por um entrevistador forense, treinado para esse tipo de atendimento. A sala em que a criança e o entrevistador conversam tem um sistema que grava os depoimentos e é interligada a outro ambiente, onde ficam todos os outros profissionais e autoridades que precisam do relato das vítimas para dar andamento ao caso na Justiça. Estão nesse grupo delegados, conselheiros tutelares, defensores públicos e juízes, o que viabiliza a realização de um depoimento único. Em um processo regular, em uma localidade onde não existe um espaço específico para a Escuta Protegida, o menor é submetido a uma série de depoimentos. Isso acontece porque a rede de atendimento é fragmentada e capilarizada, o que desgasta a vítima. “O depoimento único é muito importante, porque desobriga a criança de repetir a história da violência que sofreu. Também evita a perda de informações, porque a memória da criança é decisiva para a qualidade da prova. Todos os envolvidos no processo acompanham a conversa com o entrevistador e podem enviar perguntas na mesma hora, pelo sistema de comunicação. Depois, se for necessário, podem rever a gravação”, explica a prefeita Ana Sheila Lemos, que visitou a sede da Record TV em São Paulo nesta terça-feira (7). Ao lado do secretário de desenvolvimento do município, Michael Farias Alencar Lima, e do diretor-executivo da Record TV Cabrália, Claudio Rodrigues, ela conheceu as instalações da emissora e conversou com apresentadores. A prefeita de Vitória da Conquista conta que, como o Complexo de Escuta Protegida é uma iniciativa única no país, o maior desafio foi conseguir a adesão de todos os participantes. “Tivemos que conversar bastante para convencer juízes, promotores, conselheiros tutelares e delegados a trabalhar juntos”. Ela teve a ajuda da rainha Silvia da Suécia, que apoia a iniciativa por meio da Childhood Brasil, uma OSCIP [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público], que foi pessoalmente à cidade para tratar do projeto.
“A rainha é uma figura pública que tem grande capacidade de influência, e também contribuiu para convencer o Congresso Nacional a aprovar a Lei”, diz Ana Sheila. O Complexo de Escuta Protegida fica em um edifício anexo ao Centro Integrado dos Direitos da Criança e do Adolescente, que reúne em um único endereço todos os serviços socioassistenciais e jurídicos da cidade. Todos os profissionais que atuam no local passaram por um treinamento especial, que teve a consultoria da entidade comandada pela rainha Silvia. A experiência está sendo usada como modelo para a criação de um protocolo de atendimento, que poderá ser usado por outras cidades do país. Ana Sheila Lemos é a primeira prefeita de Vitória da Conquista, e assumiu o cargo depois que Herzem Gusmão Pereira [1.947 – 2.021] morreu em decorrência de complicações causadas pela Covid-19. Ele havia sido reeleito no 2º Turno das Eleições 2020, com Ana Sheila como vice-prefeita. “Foi um momento muito triste para todos nós, e um grande susto para mim, já que eu não sou do meio político, sou empresária. Conto com uma equipe de profissionais capacitados para fazer o melhor pela cidade, por meio de políticas públicas voltadas para quem mais precisa. Foi por isso que escolhi ‘Governo para Pessoas’ como o slogan da minha administração. Quero melhorar a vida das pessoas”, contou a prefeita. Ela diz que a gestão de uma mulher é diferente da de um homem, porque a mulher tem uma visão mais ampla, “tem uma percepção maior de como as coisas acontecem, e consegue identificar as necessidades de diferentes áreas”. Mas, apesar das vantagens para o município, sua experiência tem mostrado que ainda existe muito preconceito e desconfiança em relação às mulheres na política. “Assumi a terceira maior cidade da Bahia, que tem uma área maior que a da cidade de São Paulo. A política ainda é um ambiente muito masculino e machista, onde duvidam da capacidade das mulheres de fazer um bom trabalho. Sei que muita gente se perguntava se eu iria dar conta do trabalho, e que ainda desconfiam de algumas medidas e projetos, mas não me importo e vou fazendo as entregas do que a cidade precisa”, fala. Confira a reportagem do Portal R7.