Por Marco Antônio Jardim
Pessoas mudam de ideias e roupas. Eu fico a tentar mudar os hábitos, mover a casa. Com destemor, peito aberto, sem deixar a coluna arquear ao carregar móveis, pequenos objetos e as boas impressões que a memória há de conservar. Na madrugada, perto da noite, sem medo de amar um novo tempo e ordem, abrindo caminhos, portas, janelas, mudando as coisas que podem ser mudadas, transformando o deserto de ideias da velha moradia em coisas da alma. Em certo momento, já noite, ao lado do entardecer, sentindo o vento no rosto, sentei numa almofada e contei estrelas em despedida. Não sei mais nem menos da vida, mas sei que ela existe e que já era a hora, desde o meio dia em pleno sol, de por tudo em outro lugar. Fiz meu silencioso ritual de separação dos cômodos vazios e recantos escuros, da rua inquieta, de pessoas e sombras que me vigiam dia e noite, da habitação mais cara ao coração, e transformei. Desci a rua do poeta e subi a 1º de Maio na manhã que seguiu ao dia seguinte. Por onde estou agora a morar, a sintonia toda é aquela que eu devia mesmo esperar. A da estranha sensação de pertencimento. Ou, como previu Sarytta, estou indo a novo rumo, novo tempo, novo alvorecer surgindo. Na composição da travessia, só me despedi, afinal, do reflexo das coisas. Do aceno fugidio na plataforma, a estação por inteira é mesmo a vida. E meu tempo, nela, é quando. A velha casa, portanto, não me segue mais. O novo tempo é o que basta, além do cool jazz. É tudo tão recompensador, diante deste inspirado compositor que é o tempo.