Amores em tempos diversos

Jorge Maia

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A literatura e a vida real estão cheios e exemplos de paixões amorosas, algumas chegando ao exagero negativo da escola romântica que adoeceu a alma nacional. Bom, de qualquer modo tudo isso é bem antigo e poderíamos tomar como ponto de partida o Livro de Gênesis, relembrando de Jacó e Raquel.

Jacó serviu Labão por sete anos para que tivesse direito a casar com Raquel. mas Labão entregou para o casamento a sua filha Lia, pois não queria ficar com a filha mais velha encalhada em casa. Jacó trabalhou mais sete anos para casar-se com Raquel. Ficou com a s duas, mas o preço foi para casar-se com Raquel.

Menino distraído

Jorge Maia

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Eu era menino, e não faz muito tempo, quando iniciei a levar o almoço o para meu pai e carregava a marmita pela rua afora. Morávamos no Alto Maron, naquela rua atrás do Tiro de Guerra e sempre próximo do meio dia eu fazia a minha jornada. Era portador da refeição para quem não podia vir almoçar em casa.

Havia um roteiro variado. Sempre seguindo a rua que ainda é lateral do Tiro de Guerra, saia na Rua João Pessoa, Rua da Boiada, e tantas vezes fiquei preso em uma das casas, esperando a passagem da boiada que descia ou subia a rua, assustado com a passagem de vacas bravas. Duravam alguns minutos aquele desfile. justificando o nome da rua. Encontrei abrigo na venda de ” Seu Perrucho ” onde nos domingos, depois do almoço eu comprava picolé ou variava com um refresco, que suponho que era Q-suco e seguia para a matinê.

Burocracia na Beócia

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Depois de padecer por muitos anos de doença intermitente, o Sr. Sousa faleceu. Assim era conhecido e tratado: Sousa. Sua morte causou muita tristeza entre amigos e conhecidos, era uma pessoa muito querida em toda a Beócia.. Mas a vida é assim e sempre haverá partidas definitivas.

A morte do Sr. Souza foi um daqueles fatos comuns do cotidiano que não chamaria a atenção de ninguém, não fosse um pequeno engano cometido pelo cartório ao realizar o registro do óbito. Na certidão, Sousa foi escrito com  z, quando, no caso, era com s. Foi um Deus nos acuda.

Menino curioso

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Jorge Maia

Eu era menino, e não faz muito tempo, quando às onze e trinta da manhã me dirigia para o trabalho de meu pai levando a marmita com o seu almoço, pois não almoçava em casa, tendo que trabalhar muito para dar conta de cinco filhos. O meu roteiro era seguir a rua das sete casas, atravessar a Caixeiros Viajantes( onde está o monumento ao índio) em que eu atravessa  tranquilamente, não havia sinaleiras e nem tantos carros.  Eu já almoçara e estava vestido com a farda da Escola Normal ( IEED), pois no retorno já era hora de ir para a escola.  Cruzava a praça e seguia pelo passeio do Cine Glória, hoje uma igreja. Antes de seguir olhava os cartazes dos filmes anunciados e me encantava, esperando o domingo chegar para assistir ao filme de faroeste ali anunciado.

A brecha

Jorge Maia

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Não recusei o convite de Hamlet de la Mancha e fui passar o carnaval no sitio do Gurutuba. Exigi duas coisas: que o clima fosse morno, com chuva de nível mediano e alguns raios e trovões e que no café da manhã tivesse fofão e chiriba, importados de Aracatu. Ele respondeu que tudo seria como eu pedi, mas, não dispensava a minha presença, pois haveria uma conversa sobre cultura popular e queria que eu contasse um daqueles casos da Beócia.

Conversa animada. Antônio Leal falando de cordel, Paulo Pires tocando Bossa Nova, Marcos Cabeleireiro comentado Breaking Bad, gente falando do neologismo de Guimarães Rosa e da implicância com as palavras que algumas pessoas manifestam.

Aquivem-se os autos

Jorge Maia

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Recebi um convite do meu amigo Hamlet de La Mancha, cidadão anglo/ espanhol que reside em um sítio chamado: sítio gurutuba que está situado na região da Beócia. Um lugar mágico. O tempo é controlado na sua duração e nas manifestações da natureza. Lá, as estações do ano são decididas conforme a vontade do seu dono. Ele escolhe se quer uma tempestade um uma neblina ou um forte calorão. Noites de lua, sempre que deseja receber amigos para um jantar e ouvir moda de viola.

A educação para divorciar

Jorge Maia

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O divórcio pressupõe o casamento. Enquanto para casar temos os cursos preparatórios, o que eu não compreendo bem, embora tenha participado de alguns deles, relatado a minha experiência e tentando ensinar algo, compreendi, depois, que não é possível ensinar alguém como se comportar durante a convivência dos cônjuges.

É possível ensinar alguém a fazer algo, a construir um foguete para ir a Marte, ou atravessar a via láctea.Não é possível ensinar alguém o que é o casamento, se  não casando-o, então, ele saberá. Ao contrário do casamento, não há curso para ensinar a divorciar, quando deveria haver palestras, assistência psicológica, ou até mesmo psiquiátrica. Aliás está última deveria existir antes do casamento.

Para onde foram as cigarras?

Jorge Maia

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Eu era menino, e não faz muito tempo, quando as manhãs de outono se anunciavam  quentes. Um mormaço tomava conta da cidade e todos reclamavam do calor. Havia uma formação de chuvas e todos se tornavam  meteorologista  e diziam  que ia chover, como se fosse grande novidade. A chuva não vinha de imediato, havia um ritual da natureza anunciando que haveria chuva pesada, como se quisesse, antecedendo Anita, dizer: preparem-se.

All that calça Lee

Jorge Maia

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A expressão é sonora e a copiei do título de um filme: ” All That Jazz”, linda película, cujo título nos remete a uma recordação, não a uma ” amacord” italiana, mas a sensação de saudade de um tempo que foi representativo em nossa existência ou de um  momento especial, é que eu me lembrei da minha calça Lee.

Quem encontrar alguém usando uma calça Lee, por uma rua qualquer, não pode imaginar sobre o eu quero dizer aqui. Estou falando daquela calça Lee produzida até a década de setenta do século vinte. Sua cor azul índigo blue, o cheiro do tecido, a textura, tudo isso era muito próprio daquela roupa.

PY6APV- América – Portugal – Vitória

Jorge Maia

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É engraçado avistarmos crianças com menos de cinco anos portando tablete, celulares e demonstrando certo domínio sobre tais equipamentos, causando inveja às pessoas que nasceram antes de 1970. De outro lado temos os adultos que não largam o celular, em todos os lugares e momentos, inclusive quando estão ao volante, criando uma situação de risco para todos nós. Fico a pensar, indagando o que é que as pessoas tanto falam? E ainda falam na falta de diálogo.

Mas nem sempre foi assim. Até a década de setenta do século vinte as os contatos telefônicos eram caros e difíceis e uma chamada cobrar deixa o dono da casa de cabelo em pé, pois temia receber a ligação e o assunto não seria do seu interesse e ainda ter que pagar aquela fortuna. As pessoas falavam menos e pensavam mais.  

Um castigo para o homem

Jorge Maia

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A mulher sente menos dores que o homem. Acostumada às dificuldades da vida, sempre dominada pelo machismo vigente, aprendeu a conviver de forma mais resistente às agruras da vida. Antes, acostumada com a perda dos maridos e filhos nas guerras tribais ou não, quando muitos homens que partiram não voltavam.

Na vida rotineira tomava conta dos idosos e das crianças, sempre cuidaram da casa e às vezes do campo. No mundo moderno não mudou muito, a mulher continua insuperável no comando das atividades da casa, além de trabalhar fora, tudo isso com resistência física e emocional, na maioria dos momentos, invejável.

Regras jurídicas e regras da vida

Jorge Maia

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O direito existe para garantir a liberdade. Ocorre que o direito tem sido apenas forma de manifestação de poder, mas só garante a liberdade quando o poder emana do Estado democrático de direito, representando a voz da maioria, sem impedir às minorias o exercício das suas respeitáveis diferenças e jeito de ser.

No embate entre as regras jurídicas e as regras da vida, uma convulsão avassaladora permeia o conflito dos valores fruto da lógica jurídica e aqueles da lógica da vida. A norma jurídica não consegue aprisionar as circunstâncias e sentimentos humanos gerados na existência de cada um de nós, em sua experiência pessoal e única, pois, quando colocado frente a suas necessidades e vida real, rompemos os elos da prisão dogmática e aplicamos as regras da vida, nem que para isso nos tornemos rebeldes e descumprimos a norma jurídica, naquelas ocasiões, menos importantes.

As chuvas das águas

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Eu era menino, e não faz muito tempo, quando eu costumava ouvir esta expressão: chuva das águas, sempre acompanhada do artigo a no singular indicando um período de chuvas e não apenas a uma chuva, pois estas eram muitas, fortes e duradouras. A expressão sempre me cativou, pois, soa de modo harmonioso e tem conotação poética.

Inicialmente, pensava que se tratava de um pleonasmo. Mas eu ouvia isso de pessoas simples, em especial do homem do campo, do catingueiro que depositava nas chuvas das águas a esperança de plantar e colher feijão e milho. Depois, percebi que o mundo mudou tanto que nem sempre chuva é de água: chuva ácida, chuva de meteoros e chuva de besteiras e de corrupção. Assim, não tem importância preocupar-se com vício de linguagem e nem de aprisionar em uma qualificação uma expressão popular carregada de otimismo.

Peter Pan ou de Dorian Gray?

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Tenho Perguntado aos meus alunos qual a coisa mais difícil da vida. Falo coisa porque assim é o nosso hábito, coisificar tudo para comunicar e ser compreendido, o que não merece censura na linguagem coloquial. Mas, na verdade não é uma coisa no sentido comum que a palavra indica significar. Quero dizer sobre um estado, um jeito de ser. Vendo a dúvida em seus olhares e certa timidez por não querer errar antecipo a resposta: a coisa mais difícil do mundo é ser adulto.

A manhã em que eu fui ao motel

Jorge Maia

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Na vida nem sempre tudo é o que parece, sempre estamos cometendo erros em nossos julgamentos. Imaginem a minha alegria ao ser intimado, naquele tempo por oficial de justiça, para uma audiência esperada anos a fio. Era uma ação que motivava o advogado, pois provocante devido a sua complexidade. O mandado intimava para indicar as provas pretendidas e o prazo para indica-las, inclusive para apresentação do rol de testemunhas.

O canto triste da araponga

Jorge Maia

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Quem viveu a infância ou parte dela na zona rural, ou mesmo em pequenas cidades deve ter conhecido diversos pássaros. Era muito comum pessoas que criavam passarinhos. Pessoas havia que tinham diversas gaiolas, e os mais variados pássaros. Ainda bem que hoje a consciência ecológica sofreu mudanças. O amor à natureza mudou de foco, a sua preservação, incluindo aí a fauna e a flora. Não é permitido a criação de pássaros brasileiros em gaiolas ou qualquer tipo de cativeiro, sem autorização do IBAMA.

O contato com os pássaros quer fosse na sua liberdade, quer fosse na sua prisão, era algo que enternecia pela beleza da plumagem ou pelo canto. Sobre tudo pelo canto. Quantas disputas para ver qual era o canário belga que melhor cantava. Quanta aposta decorria daquelas exibições de prisioneiros instigados a cantar, mascarando a sua prisão? Sempre fui contra aquelas gaiolas, mas era um costume arraigado e boa parte achava natural aquela situação.

Uma Carta para o Sr. Guliver

Jorge MaiaPrezado Senhor,

Não poderia começar minha carta senão pedindo desculpas pela invasão da sua privacidade. Tenho conhecimento do seu retiro voluntário em razão de todos os acontecimentos vividos durantes as suas viagens. Entretanto, não me contive. Outro dia, tentando colocar em ordem a nossa modesta biblioteca, deparei com a obra em que o Senhor relata as suas aventuras. Folheei de forma aleatória aquele volume e reli com certa saudade alguns trechos cujas lembranças já se iam apagando. Retornei ao início da obra e reli a carta do seu editor, porém, com maior avidez, reli a sua resposta a ele endereçada. Considerando a publicidade dada ao caso, não me senti violando correspondência. O tempo tornou–me cauteloso, mas, não menos curioso.

No tempo do brucutu

Jorge MaiaJorge Maia

O sol de verão descia preguiçoso por detrás da serra do Peri – peri. A cidade mansamente preparava-se para o descanso, em que a agitação maior, provavelmente seria a corrida para chegar a tempo de assistir ao repórter Esso. Ainda era um tempo em que havia cadeiras nos passeios das casas, o que denunciava a fraternidade entre os vizinhos. As meninas ainda brincavam de roda e os meninos jogavam bola na rua. Às vezes era uma bola de meia, mas os gols nunca foram tão de “placa”.